TONHÃO, O BÍGAMO

Alguém me disse um dia que, devido a sua autoritária postura, o Tonhão era o sujeito mais detestado por todos os operários da obra, porém, o mais pacato dentro do alojamento e o mais admirado na hora do bate-papo-furado. Pois, onde quer que o Tonhão estivesse logo ele contava uma piada; uma prosa, e uma pequena plateia formada por mestre-de-obras, pedreiros e serventes se formava em sua volta para ouvi-lo e tirar proveitosas gargalhadas. Parecia mais um circo do que propriamente um canteiro de obra, e o Tonhão, que em certo momento era considerado um sujeito birrento, mandão, enfezado e até mesmo odiado, repentinamente se transbordava de irreverência e passava a ser um verdadeiro maestro da alegria e do bom humor, e a todos ele divertia com seus causos cheios de alegria.

Entre uma estória e outra ele terminava por se perder no roteiro e se adentrava em sua vida pessoal e foi numa dessas façanhas, bem na hora de um descanso de almoço, que Tonhão contou para seus assistentes o seguinte episódio: que havia trabalhado numa fábrica bem perto de sua casa e que jamais desconfiara de ter sido espionado por sua própria esposa Izabel, a Bel, como assim a chamava. Ainda disse que era vigiado por ela todo dia, bem na hora da saída do trabalho.

– Ou mulé ruim da mulestra e ciumenta que só o cão! – disse ele, acrescentando que: certa vez convidei uma colega de trabalho – ela era uma galeguinha que não tirava os olhos de mim -, para tomarmos um guaraná no fim do expediente e a danada topou! Era ela uma bonequinha de dezoito aninhos de idade, um lindo chuchuzinho; um anjinho; uma belezura de gata; uma flor desabrochando perfumada, e eu, com mais de quarenta anos, já viu, né? O combinado era só para tomarmos um guaraná e nada mais! – aquela velha história esfarrapada, sabe?

Ela bonitona e boazuda que só o diabo, e eu, todo gostosão, com grana no bolso e um fuscão azul … só alegria, meu!. Ou guaraná amargo que só o diabo, cara! - continuou Tonhão para seus mais de trinta ouvintes. Todos sentados em sua volta e de ouvidos atentos.

– Tocou a sirene: fim de expediente – disse Tonhão -, saí de fininho e fui correndo como um louco para o estacionamento, tal como combinamos. Cara, como ela está demorando?! Faz quase uma hora e meia e... nada! Eu falava sozinho e parecia um Zé Mané abestalhado, ou mesmo um garotinho se lambendo à espera de um pirulito. Que diabo está acontecendo com a minha galeguinha? Resolvi dar alguns passos no estacionamento só para ver se nós nos víamos, mas... naaada! Cadê essa danada, será que ela desistiu de mim? Comecei a me preocupar e joguei longe a quinta guimba de cigarro. Meus olhos varriam desesperados em todas as direções, até quê... quem apareceu por detrás dos carros? Am? Am? Quem? Quem? Eeela! Minha galeguinha! Gente, meu coração parecia um carro de fórmula um! O bicho disparou que só o diabo correndo da cruz. (todos riam). – Em seguida abri a porta do fuscão e coloquei a gatinha no banco do carona e, em vez do guaraná combinado, me piquei para o motel mais próximo dali. – Ninguém me segura, iaruuuu! Hoje o bicho vai pegar! – era o quê eu dizia pra mim mesmo. Só eu me ouvia! – todos riam admirados com aquele jeitão estúpido do Tonhão narrar a prosa com sua voz rouca e trovejante, alta e estridente. Parecia um louco gesticulando com os pés e as mãos enquanto falava cuspindo nos ouvintes e arregalando um olho por detrás das lentes verdes, tipo fundo de garrafa, pois havia perdido um dos olhos num acidente e era necessário usar aqueles óculos escuros para esconder um pouco a sua feiúra: assim ele mesmo se definia.

E a prosa continua:

– Rapaz! O fuscão disparou na direção que eu e o diabo queríamos! Freei bem na portaria de um motel, lá para as bandas do Tatuapé, sabe? (os ouvintes se deitavam de rir). – Ao meu lado, na portaria do motel, simultaneamente pararam um táxi e uma viatura da polícia. Não deu outra, cara: tive que ouvir o tal do teje preso! Depois, lá no xilindró, fiquei sabendo que era tudo armação da Bel. Ela estava lá no estacionamento escondida atrás dos carros e chamou a polícia. Ou mulé ciumenta e ruim que só a peste! Ela me preparou aquele golpe e eu caí na armadilha igual um preá. Tomei tanta da porrada no pé do ouvido que até perdi um tímpano. É por isso que hoje eu só escuto por uma orelha. Nunca mais esqueci do doutor delegado me dizendo: tu gostas mesmo é de anjinho, né? E tome-lhe pau, tome-lhe porrada! Quase morri de tanto apanhar no lombo!

Depois de contar esta incrível aventura, alguém lhe interrogou:

– E a Bel, Tonhão? Que fez com ela?

– Fala não, cara! Logo depois ela ficou sabendo que eu não ia desistir da galeguinha e que a gente já estava até amigado. Aí o bicho pegou! A Bel virou o cão. Daí pra frente ela começou a infernizar minha vida dia e noite me buzinando no ouvido para eu sair do emprego e voltar pra Alagoas. Terminei cedendo e pedi a conta no emprego. Mas como eu não sou idiota de querer perder minha galeguinha, tomei a sábia atitude: comprei quatro passagens de ônibus pra Maceió e não falei nada pra ninguém. Fiquei na minha!

O EMBARQUE:

Acomodei-me com meu garoto em duas poltronas e, aos berros, coloquei as duas mulheres nas duas poltronas da minha frente e dei a seguinte ordem: se vocês brigarem ou discutirem durante a viagem vão entrar na porrada, certo? O couro vai comer! Estão me ouvindo? Não quero saber de desordem no trajeto! E ficamos todos mudos até Maceió. Ninguém ali se conhecia. Foi só alegria, meu! Ao chegarmos na rodoviária de Maceió coloquei as malas no bagageiro de um táxi Corcel.

Sentei-me com meu garoto ao lado do motorista e as duas mulheres se acomodaram no banco do fundo. Nosso destino era a casa da minha sogra. E falei pro motorista: toca em frente, compadre!

O táxi começou a correr na cidade. Entra rua, sai rua, vira à direita, à esquerda e, de repente a Bel dá início a um bate-boca imbecil dizendo pra galeguinha:

– Na casa de mamãe você não entra! Tá me ouvindo, sua descarada?

– Descarada é tu, cachorra! – devolveu a galeguinha.

– Cachorra é tu, sua vaca. – retrucou a Bel.

– Vaca é tu, galinha! – despachou a galeguinha.

– Galinha é tu, sua quenga! - discordou a Bel.

– Quenga é a tua mããããe! - finalizou a galeguinha acabando de uma vez por todas com o bom relacionamento. Aí o bicho pegou; o pau comeu! As duas se atracaram na porrada que o táxi pulava. Era cabelo pra todo lado. O taxi parou no meio de um cruzamento e um engarrafamento inicia nos quatro sentidos da cidade. A chegada dos curiosos foi muito rápida. Tinha gente pra todo canto, gritando e assobiando. Gente que só o diabo. E no meio da rua minhas malas foram atiradas pelo taxista que, com histeria, gritava: cai fora suas pestes, suas desgraças! A essa altura o “barraco” estava incontrolado. A mulherada rolava no chão e tinha trapos de roupa pra todo lado. A polícia apareceu rapidinho, rapidinho e apartou a briga. Foi uma loooucura!

– Como é o seu nome?

– Tonhão. Quero dizer, Antonio, digo, Antonio de Souza! – falei pro delegado.

– Teje preso, seu Tonhão!

– De noooovo, seu delegado! Que é que eu fiz, doutor?

– Bigamia!

– Biga o quê? Que diabo é isto, doutor?

– Você já já vai ficar sabendo! E, virando-se para os tiras, ordenou: expliquem direitinho pro Tonhão o quê é bigamia! Não o deixe com dúvida, certo?

– No outro dia os caras da cela me disseram que eu estava todo roxo. Só então fiquei sabendo que a tal da bigamia era crime. Eu estava moído. Apanhei que só cachorro vira-lata! Ou refrigerante caro do diabo! Peguei outro ônibus de volta pra cá depois que a Bel me disse: coitado de tu, Tonhão! Não te quero mais! Tu não presta! Pega tua quenga e some da minha vida!

Voltei pra Sampa só com a galeguinha!

– E ela, onde foi parar? – alguém lhe perguntou.

– Sei lá! - disse Tonhão, acrescentando: a gente só ficou junto três meses e durante esse tempo ela já estava me enfiando um belo par de chifre com um cobrador de ônibus. Grande aventura que eu fiz, não?

A sirene tocou, e alguém gritou:

– Fim do descanso! Vamos ao trabalho, pessoal!

E todos se levantaram às gargalhadas.