A cusparada

Estou bebendo no fundo de um bar.

Tentando afogar a tristeza num copo de cerveja.

Não quero que ninguém me veja assim.

Melancólico e deprimido.

Outra cerveja.

Mais uma.

E uma saideira.

Outra mais, quem sabe ?

Está nítido que não estou bem.

Escrito na testa.

No bar um bebedor respeita o outro.

Na sua solidão particular.

Individual.

De repente

Entra uma cigana

Nos seus trajes característicos.

Veu vermelho.

Roupas estravagantes.

Exageradas.

E se dirige a mim.

E fala, convicta:

" ... o senhor está com muitos problemas !

E sérios ! "

Óbvio.

Todos ali sabiam.

Nem precisava dos poderes de uma cigana.

Não disse nada.

Ela insistiu.

" ... posso ler a sua mão ? "

Eu estava tão ruim que estendi a mão esquerda.

Quando estamos carentes confundimos as coisas.

Cuidado !

Ela pediu:

" coloque em sua mão uma nota de cem reais. "

Eu coloquei, crédulo !

Em seguida ela colocou uma cruz de Cristo sobre a nota em minha mão.

Eu pensei:

" ... essa cigana e seria ! "

Puro engano.

Logo após ela desferiu uma volumosa cusparada sobre o Cristo e a cédula.

Grudenta.

Melosa.

Espumosa

E fugiu.

Levando tudo.

Sumiu na claridade.

E eu fiquei ali mais triste ainda.

E pedi outra cerveja para tentar melhorar.

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