Aroma de Vetiver

Estava seduzida. Nem imaginava o sentido dos versos declamados por Jovenel, mas sua voz soava tão doce... Era um calmante, forte o suficiente para apagar meus problemas. Ademais, francês era bonito demais. Tudo soaria elegante.

 

– Significado? – perguntei.

 

– Est de Elsie Suréna, poète d’Haiti. Dit qu’eu aime quand tu fais carinho en minhas mains. – Corei, pois estava justamente acariciando suas mãos. Era um ato viciante, não desejava parar. – Dit também que tua présence est comme arôme de vetiver. – E deu-me um beijo na testa cheio de afeto.

 

– Que é vetiver?

 

– Est une plante com une odeur contre l’estresse, ajuda a se relaxer. Comme tu. – Foi impossível não sorrir diante dessa declaração.

 

Ah, eu amava Jovenel! Porém nem todos no elitizado colégio de Rio Branco sentiam o mesmo...

 

Ele deixou o Haiti em 2011, junto da mãe, e foi sortudo em relação aos conterrâneos. Conseguiu uma bolsa de estudos integral para o ensino médio e, considerando suas notas, existiam altas chances de entrar na UFAC.

 

Entretanto, nem tudo eram flores. Tamanho prodígio tendo a origem que tinha não agradou os alunos. Quando o racismo encontrava a xenofobia, os resultados eram desastrosos. Alguns estudantes, sem nenhum remorso, derrubaram Jovenel pela janela da biblioteca do terceiro andar.

 

– Alguém como você não merece estar entre nós. – disseram.

 

Ninguém foi preso, porque a lei só valia para os pobres. Foram condenados a pagar uma multa milionária, mas que para eles não era nada. Contudo, os efeitos daquele evento não foram esquecidos, pois Jovenel ficou paraplégico. Sua mãe não hesitou em tirá-lo de lá. Fez o certo, ele precisava estar seguro.

 

O problema foi que não consegui trocar contatos. Separar-me dele foi uma tortura. Fiquei dias chorando junto com meus pais, também revoltados com a situação. Justiça era para inglês ver.

 

Senti muita vontade de vingá-lo. Encontrava aqueles canalhas na aula diariamente, pois em vez de expulsos, foram só suspensos. Era difícil resistir. Mesmo assim, nada fiz.

 

Ser privada de Jovenel me esvaziou internamente. Meus pais tentaram me empurrar novos amigos e até namorados, mas só queria encontrá-lo novamente. Na realidade, claro, porque nos víamos todo santo dia em meus sonhos noturnos.

 

A única forma de aliviar a saudade era cheirando vetiver, planta muito produzida no Haiti. Só não sabia se realmente era um aroma calmante ou se o relaxamento era proporcionado pelas minhas lembranças.

 

Felizmente, logrei encontrá-lo. Em 2016, com a Olimpíada no Rio, vários atletas nacionais ganharam mais destaque na mídia. Entre eles, Jovenel. Descobri que ele se tornou esgrimista de cadeira de rodas e fiquei honrada em descobrir que defendia a bandeira brasileira. Era um bom sinal, significava que perdoara o país.

 

Tirei a sorte grande, pois consegui adquirir ingressos para um de seus duelos. Finalmente, senti meu corpo relaxar. Era meu reencontro tão esperado. Inacreditável o quanto meu amor não diminuiu nem um tantinho nesses cinco anos…

 

Quando a luta começou, minhas narinas foram invadidas pelo aroma de vetiver. Naquele instante, soube que tudo ficaria em paz.

 


 

Nota: o poema mencionado chama-se Prélude e pode ser lido clicando aqui.