A Aldeia (XXX)
 
- Eles eram muitos, Aulah, nós estávamos entretidos com os rapazes tentando subir por uma corda para o alto de uma cachoeira, a água batendo em suas cabeças, quando eles chegaram com seus bacamartes, espalhando tiros para todos os lados, só para nos intimidar, é claro, eles não queriam nos matar, precisavam de nós bem vivos... Nos prenderam e nos atrelaram uns aos outros, quando esbocei uma reação, recebi uma pancada na nuca, tudo ficou escuro, então, quando acordei percebi que estava amarrado ao Morixo.
Nos obrigaram a andar o dia inteiro sem comer, só nos deixavam era beber água, caminhávamos até o dia anoitecer, e quando eles nos deixavam parar, estávamos tão cansados, que nós dormíamos de imediato.
Era esse o plano deles para não esboçarmos qualquer reação. Não diga para ela, mas o menino da Abab não aguentou e caiu, desmaiou no meio da caminhada, então eles pararam a marcha. Foram três dias assim desse modo, quando estávamos extenuados, nos davam uma banana. Quando chegamos ao final, as nossas forças estavam nos limites, o pior, era quando eles rindo, comiam carnes e frutas e faziam questão que víssemos. Tudo era feito para abater o moral dos nossos guerreiros.
Mas o que mais me maltratou, minha mulher, era um português bigodudo que falava a nossa língua, ele olhava bem direto nos meus olhos e dizia:
- Macaco, você é grande e forte, vou ganhar um bom dinheiro te vendendo... Então estendia uma banana para mim, que eu apanhava avidamente,  e ele continuava:
- Coma, macaco, porque quero te ver forte, você vai me dar um bom dinheiro... 
Eu quero voltar lá, Aulah, eu vou matar aquele desgraçado daquele português!
Era ele mesmo quem olhava pros peitos da filha da Caaleje, e mordendo os lábios, lhe dizia:
- Eu vou te comer, menina!
 
Kally encontrou a feiticeira enquanto ela trocava a carga de fumo do seu cachimbo, ela sem olhar para Kally, lhe disse:
- Ele não falou nada para você, mas eu sei o que ele quer...
Ele me disse bem aqui dentro, e apontou para sua própria cabeça.
Ele quer você aliada ao Amom, porque ele é guerreiro e valente e você é líder, ele tem o ódio para guiá-lo, você terá o plano para tudo dar certo.
- Mas eu não tenho plano nenhum, Mãe Noah!
-  Não tem agora, mas na hora certa terá! O que você tem de fazer, minha filha... E interrompeu para atiçar o fogo no fumo do cachimbo, e depois continuou:
- O que você tem de fazer é se aliar à ele, aproveitar seu ódio e sua força, e usar essas armas poderosas para libertar os guerreiros. 
Vou lhe mostrar o caminho...
A tribo Koré já teve guerreiros presos, a tribo Maurid também ...
Deu uma tragada forte no seu cachimbo, jogou a fumaça em cima de Kally e lhe lembrou:
- Quando o seu homem de agora, o Auan, juntou os palitos, ninguém conseguiu quebrá-los...
Ele pode ser impertinente, mas é um homem sábio... A união faz a força!
Se quiser, menina, poderá se tornar muito poderosa, só depende de você!