O Rato Alpinista
Estava conversando com minha mãe na cozinha de sua casa, minhas filhas jogando videogame na sala, quando meu pai saiu do quarto procurando pilhas para colocar numa lanterna. A expressão em seu rosto era de preocupação. Fiquei apreensiva e perguntei-lhe o que estava acontecendo e ele respondeu:
Vou procurar um rato que está roendo a casca do pé de mexerica no fundo do quintal.
Como? Perguntei surpresa.
Tem um rato matando o pé de mexerica que plantei há muitos anos.
Mas o senhor o viu? Como sabe que é um rato? Quem sabe é alguma doença que faz a casca cair.
Não seja tola, filha. Os galhos estão ficando sem casca e próximo ao tronco , no chão, a gente pode ver os pedacinhos de casca caídos. Um horror!
Nunca ouvi falar que ratos fizessem isso. Ainda se houvessem frutos ele poderia comê-los, mas agora não é época. Vai ver o rato está doido, comentei.
Nessa altura a discussão sobre os devaneios do rato chegaram à sala e logo as meninas entraram na conversa. Minha filha mais nova de sete anos foi logo concluindo:
O rato não é doido, é alpinista. Gosta de viver nas alturas, mamãe.
Era só o que faltava, rato alpinista. Tive de rir de sua ideia.
Claro que não é nada disso. O rato é sem vergonha mesmo, quer matar minha árvore, disparou meu pai.
Achou as pilhas, colocou-as na lanterna e saiu pela porta decidido a se encontrar com o destruidor. Não tardou, voltou correndo perguntando por uma arma de pressão que meu irmão tinha ganho quando criança.
O rato está lá. O miserável está lá. E sumiu pela porta do quarto à procura da arma.
Minhas filhas estavam achando muito engraçado o avô à caça de um rato. Minha mãe ficou preocupada e foi logo dizendo:
Deixa disso, velho. Como você vai matar o rato com essa arma que deve estar enferrujada?
Não está não. Já a encontrei, sabe onde estão os chumbos?
Devem estar na gaveta da cômoda.
Achei. Agora vou acertar as contas com o maldito.
Pai, não vá agora. Já é noite. Não dá para ver direito. Pode ser perigoso.
As meninas queriam ir junto e o nosso cachorrinho também.
Ninguém vai junto. Vocês fazem muito barulho e vão espantar o rato, disse meu pai.
Prometo ficar quietinha, vovô. Quero ver o rato alpinista, argumentou Vitória.
Minha mãe segurou as meninas alegando que o vovô não enxergava direito e podia acontecer algum acidente. Nem o cachorrinho ela deixou sair por precaução.
Como o pai vai segurar a lanterna para ver o bicho, mirar e atirar ao mesmo tempo?
Contrariada, mais com pena do rato que da árvore, me prontifiquei a ir junto para segurar a lanterna. Fui clareando o caminho até a árvore e constatei que meu pai estava certo . Várias partes dos galhos estavam sem casca. Fiquei triste porque seus frutos são muito doces. Parei de divagar com o grito de meu pai:
Clareie para cima, filha. Assim não posso ver nada.
- Desculpe, pai. Está vendo ele?
Ainda não. E você?
Não. Deixa eu olhar mais um pouco.
Não é que minha filha tinha razão? O rato era mesmo alpinista. Estava pendurado entre dois galhos, se equilibrando para não cair. Olhei para ele e vi a surpresa estampada em seus olhos.
Ali, ali, meu pai disse. Ilumine bem para eu poder acertar.
Coloquei a lanterna em sua direção enquanto meu pai carregava a espingarda com um chumbo.
Ele mirou, mirou e eu fechei os olhos, torcendo para que errasse.
O tiro saiu fraco. Meu pai reclamou que a arma estava com pouca pressão. Abri os olhos e o rato havia sumido
Aonde ele foi? Aonde ele foi? Perguntava meu pai nervoso.
Não sei, não vi pai. Pudera estava com os olhos fechados, mas claro, não contei isso a ele.
Procure! Procure!
Acho que ele foi embora. Vamos deixar para amanhã.
Não! Pode ser tarde demais para a árvore. Ilumine mais para cima.
Está bem.
Sem muita vontade direcionei a lanterna para a copa da árvore e não sei como ele estava agarrado num galho fino bem no alto . Mais uma vez lembrei que as crianças são sábias. A Vitória tinha razão: rato alpinista.
Ele está lá. Desta vez não me escapa. Abriu a arma para colocar mais um chumbo e sem querer o derrubou no chão.
Ilumine o chão para eu procurar .
Pai, é um chumbo muito pequeno da cor da terra, não vamos achá-lo. Pegue outro.
Mas só tenho mais um.
O quê? O senhor só trouxe três chumbos?
Na pressa, foi tudo o que achei.
Então ponha o último e vamos acabar logo com isso. Está começando a esfriar.
Meu pai carregou a arma e apontou novamente para o rato pendurado. Novamente fechei os olhos para não presenciar a cena. Mais uma vez o tiro saiu fraco, o rato sumiu e eu agradeci por ele ter escapado. Meu pai ficou frustrado, praguejou. Confortei-o dizendo que teria uma nova chance noutro dia .
Entramos em casa e as meninas curiosas queriam saber o que havia acontecido. Pela cara de desânimo do avô elas logo entenderam que o rato havia saído vencedor.
A única frase que disse a elas foi:
- Você estava certa Vitória. O rato é um alpinista!