Que Susto!!!!

O ano era 2000, o mês abril, o dia quatro, segunda-feira. Esse dia ficou marcado pelo resto da minha vida. Mas antes de descrever o que aconteceu preciso informar as circunstâncias que me fizeram estar no lugar errado na hora errada, ou não, porque depois daquele dia passei a ver a vida de uma maneira diferente , procurando viver cada minuto como sendo o último.

Eu trabalhava e ainda trabalho, num órgão público estadual cuja abrangência de atendimento se extendia a várias cidades vizinhas algumas mais próximas outras um pouco mais distantes . Eu havia sido designada, para não dizer obrigada, intimada a trabalhar numa cidade distante 130 km de onde morava, por dois meses consecutivos. Eu ia com o carro oficial na segunda e voltava na sexta-feira na parte da tarde. Era casada mas ainda não tinha filhos. O carro era um gol, ano 1982, ruim, velho, sem manutenção, muito rodado. Um perigo. A estrada não tinha pista dupla, não tinha pedágio, não que isso resolvesse todos os problemas , mas ajudaria. Não tinha terceira faixa, quase não tinha sinalização, muito movimento , muitos buracos e asfalto irregular como a maioria das estradas brasileiras. Nem aproveitava o final de semana pensando no trânsito da segunda e durante a semana me preparava para o tráfego da sexta-feira. Era um stress muito grande. Incrível como é ruim a gente trabalhar contrariado, sem gostar do local, da atividade em si, da cidade, do hotel, da comida, de tudo enfim. Um detalhe importante que não mencionei ainda é o fato de ter de pagar a estadia e a alimentação do próprio bolso. Somente o carro e o combustível eram fornecidos pelo órgão público. Isso me recorda da vez que me chamaram para informar que iria trabalhar nessa cidade mas sem ajuda de custo. Questionei a situação e ouvi da boca de um assessor assim:

Faz parte do castigo pagar todas as despesas da estadia do próprio bolso. Depois se desculpou e disse que era brincadeira.

Do meu superior imediato escutei:

Não tem mais ninguém com quem podemos contar.

Você é a pessoa indicada.

-Nós contamos com você.

Questionei porque não poderia ser outro colega do sexo masculino solteiro, pois a repartição era composta por 99% de homens. Mas a decisão estava tomada. Não havia o que fazer.

Comecei a viajar no início de março. Parecia um caixeiro viajante. Saía da cidade pela BR 373, a uns 80 km pegava uma rodovia estadual, passava numa cidade para deixar e pegar alguns documentos e seguia por estrada de terra até outra cidade para retomar o asfalto novamente e chegar ao meu destino.

Na manhã do dia 04 de Abril passei na repartição para pegar os documentos e o carro e peguei a estrada. O dia estava claro, céu azul, sol e uma brisa mais fresca típica do outono. A viagem seguia normal, não tinha muito movimento, fiquei feliz pois chegaria no horário do almoço em minha primeira parada. Ao chegar a um vilarejo chamado Alto do Santo, o caminhão que estava na minha frente começou a frear, vi uma nuvem de poeira na lateral da estrada e deduzi que algum veículo entrou na rodovia saindo do vilarejo sem muito cuidado. Atrás de mim vinha um caminhão que transportava combustível, pela velocidade calculei que estivesse vazio. Ainda bem, pensei, se estivesse carregado talvez não conseguisse diminuir a velocidade e me atropelasse. Fomos desacelerando até que o trânsito parou totalmente. Achei estranho, imaginei que talvez fosse um acidente, mas não houvi barulho de batida, nem frenagem brusca. Como o veículo na minha frente era um caminhão e o de trás também, não tinha visão nenhuma . Aí entra o que para mim é inspiração angelical, pois sem saber dizer porque eu tirei o carro da estrada, na direção do “acostamento” , que só tinha o nome, pois era grama, capim e buraco para tudo que é lado e depois uma canaleta que dava para uma descida muito íngreme. Até hoje me pergunto porque fiz isso. O normal seria parar o carro, esperar, por isso do angelical. Acredito que o meu anjo da guarda fez com que eu agisse dessa maneira. Saí ao lado do caminhão, pela direita, e tive a visão mais impossível de se imaginar . À frente do caminhão tinha um carro forte que transporta valores parado e trancando a sua passagem, atravessado na pista, um caminhão caçamba. Na hora me perguntei:

O que está acontecendo?

Será um assalto?

Eu continuei passando pela grama, buraco,etc e de repente levantam da caçamba do caminhão , cinco jovens com armas que havia visto apenas em filmes de guerra. Meu coração disparou, comecei a transpirar, não conseguia respirar. Tudo isso em décimos de segundos. Pensei :

Eles vão me matar.

Estou com um carro oficial, com a bandeira do Estado colada na porta.

Vão pensar que sou policial e vão metralhar o carro.

O carro é velho se quebrar ou cair na canaleta, o que faço?

Abro a porta do passageiro e me jogo no barranco, nem que me machuque.

Aqui eu não fico.

Quantos pensamentos em tão pouco tempo e ainda dizemos que o tempo passa muito rápido.

Os segundos que estive presenciando a cena pareceram uma eternidade . Pensei em meus pais, em meu marido, que é policial , e que algumas vezes foi comigo de carona , pois trabalha em outra cidade próxima, e que se estivesse comigo, naquele dia , com certeza seríamos mortos. Agradeci por ele não estar ali. Pensei em meu filho que ainda não tinha, mas que desejava imensamente. Pedi a Deus , em oração, que me protegesse, que me tirasse dali a salvo. Pensei na minha avó que morrera havia apenas três meses e que me era muito querida. Pedi a sua proteção também.

Pisei no acelerador e passei pelo carro forte, pelo caminhão caçamba e entrei novamente na rodovia.

Nem que o pneu fure ou páro! Disse em voz alta que era para sair do torpor dos pensamentos e sentimentos que estava envolta.

Olhei pelo retrovisor, o suor fazendo gotículas em minha testa e molhando minha franja.

Droga, lavei o cabelo ontem e já vai ficar oleoso.

Pare com isso, gritei. Está louca? Quase morreu e está pensando no cabelo?

Parei de divagar e observei que de alguns orifícios do carro forte saíam canos de armas. Houve troca de tiros. Saí na hora. Se ficasse mais alguns segundos poderia ter sido atingida pelos disparos de ambos os lados. Novamente agradeci e pedi a Deus que protegesse os ocupantes do veículo. Eles estavam trabalhando, protegendo o dinheiro que nem era deles. Um pouco na frente da estrada, ainda no campo de visão da cena , havia uma caminhonete parada no acostamento e uma pessoa encostada na parte detrás dela. Na hora imaginei:

O que esse louco está fazendo aqui? Assistindo? Então esqueceu a cadeira e o balde de pipoca.

- Chame a polícia mentalizei. Na época eu nem tinha celular.

Segui em frente, com a janela do carro aberta porque estava com dificuldade para respirar , até a minha primeira parada. Não conseguia descer do carro. Minhas pernas tremiam como criança quando sai da água gelado do rio e senta no sol para se aquecer. Minhas mãos não conseguiam abrir a porta do carro. Tive de respirar fundo algumas vezes. Almocei, contei a história para uma colega de trabalho e segui viagem até meu destino. Estava com muito medo porque não tinha certeza se os ladrões tinham me visto, se poderiam ir atrás de mim para a “queima de testemunhas”. Como um pedaço do caminho era de terra sem muito movimento, se alguém fizesse uma emboscado ou a seguisse ninguém veria ou poderia ajudá-la.

Meu Deus, pedi em oração! Me ajude. Ainda não tenho, mas pretendo ter filhos para criar e educar sob seus mandamentos.

Não permita que eles me reconheçam e queiram me perseguir.

Cheguei no meu destino no final da tarde. Meu corpo todo estava dolorido como se tivesse feito a corrida da minha vida. Pensando bem acho que foi bem isso que aconteceu. Corri e venci. Estava viva. Viva para a vida, viva para meu marido, viva para meus pais, viva para Deus. Estava preocupada com os ocupantes do veículo. Será que os bandidos conseguiram levar o dinheiro? Será que machucaram alguém? No dia seguinte soube que o dinheiro fora roubado, mas que, graças a Deus ninguém ficou ferido e que os caminhões, que estavam na minha frente a atrás de mim, eram roubados e faziam parte da quadrilha de assaltantes. E que a caminhonete parada também era roubada e seu ocupante tinha encomendado, num restaurante próximo, comida para os assaltantes e estava esperando para levá-los embora. Passei a semana apreensiva com a volta.

Nunca mais vou passar perto de um carro forte.

Se eu vir um carro forte na rodovia vou parar e deixar que ele siga em frente antes de retomar a viagem. Pensei determinada.

Na sexta-feira, meu coração estava disparado quando comecei a viagem de volta. Num trecho da estrada, uma reta longa, não tinha movimento , fiquei mais tranquila, diminui um pouco a velocidade, isso é modo de dizer pois o gol não passava dos noventa . De repente no horizonte vejo um veículo vindo na direção contrária. A princípio pequeno, foi tomando forma, se aproximando . Parei de

respirar, o suor novamente a perturbar minha franja, meu coração explodiu numa só frase, quando percebi que o veículo que se aproximava era um carro forte da mesma empresa que havia sido assaltada na segunda- feira:

Nãoooooooooooooooooooooooooo! De novo nãoooooooooooooooooo!

Catleya
Enviado por Catleya em 16/12/2013
Código do texto: T4614269
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