O SERVIÇAL DA INDEPENDÊNCIA - PARTE 2

Oito anos após a família real ter chegado ao Brasil, a avó de Pedro veio a falecer. D. João então tornou-se rei e passou a ser chamado de D. João VI, o Rei do Reino Unido a Portugal e Algarves, mas somente sendo aclamado rei, dois anos mais tarde. Com a assunção de seu pai, Pedro se viu na obrigação de estar mais perto dos fatos que aconteciam no País ao qual agora se tornara próximo herdeiro!

Enquanto que os ânimos em Portugal só pioravam após a saída dos franceses derrotados pelo exército inglês, no Brasil a situação permanecia indefinida por causa do projeto de recolonização das cortes portuguesas. A maioria dos brasileiros desejava o rompimento político com Portugal e havia muitas divergências por todas as colônias.

Ao completar dois anos de reinado, D. João VI estava em uma via-crúcis; o povo português exigia a sua volta e o Brasil precisava de sua permanência. Mas com a explosão da Revolução do Porto, teve que retornar a Portugal pois os revolucionários vitoriosos exigiam a sua volta imediata. Foi desta forma que Lysanne viu seu amigo assumir o Brasil como Príncipe Regente com apenas vinte e três anos de idade!

No ato cerimonial em que D. João VI outorgava a responsabilidade de cuidar do Brasil para seu filho, pela primeira vez Lysanne descobriu o nome verdadeiro de seu amigo ao ouvir o rei pronunciá-lo:

- … e no meu lugar, como regente desta imensa terra, deixo meu filho: Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon! Acreditando que … - Lysanne contou surpreso nos dedos, a quantidade dos nomes de seu amigo!

Após o rei ainda nomear Francisco Gomes da Silva, mais conhecido como “Chalaça”, secretário particular de D. Pedro, o príncipe se dirigiu ao amigo que estava parado na entrada do grande salão:

- Ao menos por hora, não vou precisar voltar com ele para Portugal! - Disse o príncipe se aproximando dele e apontando para o pai;

- Talvez agora, Vossa Alteza com essa responsabilidade, tenha um pouco mais de atenção para com o nosso povo! - Respondeu-lhe Lysanne.

Na verdade, os últimos acontecimentos e as grandes divergências, fizeram de Lysanne um radical que lutava para a independência e democratização da sociedade:

- Acho melhor não tocarmos neste assunto aqui dentro! - Advertiu-o o príncipe;

- Tens razão! Mas, mudando de assunto..., quantos nomes Vossa Alteza possui?

- Dezoito!

- Tem algum significado? Na verdade não sei para que tantos nomes em um nome! Isso é estranho!

- Chamas de estranho a quantidade de nomes que possuo? O que me respondes de Lysanne? - Provocou o Príncipe;

- É herança de meu pai!

- Acreditava eu que era uma homenagem à vossa mãe! Tem algum sentido? - Devolveu a pergunta o príncipe;

- Lysanne é de origem holandesa, da qual meu pai é descendente e significa “assistente”, aliás, o que se encaixa perfeitamente para a função que presto à Vossa Alteza!

- E me serves bem meu amigo! - A conversa entre os dois teve que ser interrompida assim que o príncipe viu seu pai fazer-lhe um sinal com a mão para que ele se aproximasse...

D. João VI partiu logo em seguida e Pedro ficou na responsabilidade de ser o Regente do Brasil. Lysanne aproveitando a oportunidade, em certa noite de reunião do Partido Brasileiro, apresentou ao príncipe um dos membros do governo provisório de São Paulo, cujo nome era José Bonifácio de Andrade e Silva, a quem ganhara de imediato, a estima do príncipe.

Lysanne era conhecedor do desejo do príncipe em permanecer no Brasil e levou tal fato ao conhecimento de José Bonifácio e de “Chalaça” que, sempre que podiam, sondavam o príncipe sobre a possibilidade de tornar o Brasil em um País livre e se tornar no seu primeiro imperador.

Pedro desconversava e dizia que seu pai era o verdadeiro governador do Brasil. Mas na verdade, ele pouco tinha inclinação para a política e não queria muito envolvimento com ela:

- Vossa Alteza não pode se manter neutro diante dos rumos em que pendem a nação! - Dizia-lhe Lysanne;

- Os partidos que resolvam seus interesses! Eu tenho algo melhor para fazer esta noite! - O príncipe se referia a apresentação da dançarina Noémi Thierry, que aconteceria no teatro;

- Enquanto Vossa Alteza reluta para tomar as rédeas da situação, a coroa portuguesa se esforça para levar adiante o seu projeto de recolonização! - José Bonifácio intrometera-se na conversa;

- Mas pelo que me cabe saber, a burguesia britânica com seus recursos é contrária a essa possível recolonização! - Respondeu o príncipe, colocando a cartola na cabeça e se olhando no espelho;

- Nisto Vossa Alteza tens razão! Mas, cabe à Vossa Alteza tomar a frente deste entrave! - “Chalaça” completou o raciocínio de Bonifácio;

- Entendo!..., mas deixemos a política para amanhã..., esta noite quero conhecer esta beldade de quem tanto falam! - Os três resolveram se calar, pois sabiam do temperamento volátil que D. Pedro possuía.

O príncipe estendeu a mão e Lysanne lhe entregou a bengala. D. Pedro se dirigiu à carruagem e esta seguiu rumo ao teatro. Algum tempo depois, Lysanne confirmara suas suspeitas da razão de tanto interesse do príncipe em ir assistir a apresentação de Noémi Thierry; ele acabou tendo um caso não só com ela, mas também com a sua irmã!

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O ano de 1821 permaneceu conturbado no Brasil. Como a situação permanecia indefinida, em dezembro as cortes portuguesas encaminharam ao Rio de Janeiro, Decretos com ordens para abolir a Regência, exigindo o retorno de D. Pedro a Portugal e a obediência das províncias à Lisboa.

Lysanne ao saber das cartas, procurou o príncipe em sua residência e o encontrou em estado de labilidade, fazendo os preparativos para a sua volta a Portugal:

- Vês meu amigo, o motivo pelo qual nunca quis tomar algum partido na situação do Brasil? - Disse-lhe Pedro, assim que ele surgiu na porta do quarto;

- Vossa Alteza vais aceitar esta intimação assim? Sem ao menos contestar? - Indagou Lysanne;

- Que posso eu fazer contra a Coroa?

- Podes encontrar apoio nas províncias de Minas Gerais e São Paulo, para a nossa causa emancipacionista! - Retrucou “chalaça”, adentrando no quarto;

- Sei que Vossa Alteza amas esta terra (e nossas mulheres), e sinto que tua alma está presa a este lugar! - Declamou Lysanne;

- Mas o povo pensa que eu concordo com as pretensões da corte portuguesa! - O príncipe sentou-se em sua escrivaninha;

- Há alguns dias atrás, Vossa Alteza mostrou-me uma carta do Bonifácio, onde ele critica a decisão das cortes de Lisboa. Por que Vossa Alteza não publica esta carta na Gazeta? - Sugeriu Lysanne;

- Boa ideia!!! - Exclamou “chalaça”;

- Excelente sugestão! Publicarei a carta e mostrarei ao povo que estou isento das decisões de Lisboa! - Um brilho de alívio surgiu nos olhos do príncipe;

- Vamos aguardar a repercussão da carta perante a sociedade, assim, Vossa Alteza terá noção se o povo te apoiará ou não, e o que pensa de ti! - Lysanne pegou a carta das mãos do príncipe e se dirigiu para a Gazeta.

No dia seguinte à publicação, a repercussão foi maior do que o príncipe esperava. Logo, coletaram-se assinaturas no Rio de Janeiro onde se pedia a permanência do príncipe no Brasil. Lysanne juntamente com “Chalaça”, levaram o documento para a Câmara do Rio de Janeiro onde o príncipe se encontrava reunido com o Senado.

Ao receber aquela representação no Senado e após acabar de tomar conhecimento do seu teor, o príncipe levantou-se e cheio de coragem exclamou:

- “Se é para o bem de todos e felicidade geral da nação, estou pronto. Digam ao povo que fico!” E logo a notícia se espalhou por todas as províncias.

O príncipe sabia que a Corte portuguesa não iria aceitar aquela decisão de ser desafiada, por isso precisava tomar providências urgentes e a primeira foi a de convocar uma Assembleia Constituinte. Sabia também que deveria mudar alguns membros do governo.

Dez dias após a publicação da carta no Gazeta, Pedro estava em seu escritório degustando uns abrazôs feitos pelas mulatas que serviam em sua residência, enquanto que Lysanne provava um mingau feito de xerém. O príncipe ainda se encontrava inquieto tentando encontrar uma solução para o governo. Deu a volta em sua escrivaninha e sentou-se:

- Não tenho ideia de quem nomear para os assuntos do reino! - Dizia ele para Lysanne;

- Precisamos de alguém que seja um líder e bem preparado! Alguém impertérrito!- Frisou o amigo;

- Sei disso, mas quem?

O príncipe apoiou a cabeça sobre as duas mãos, pensativo em uma solução quando “chalaça” surgiu na biblioteca e anunciou a chegada de José Bonifácio acompanhado de uma comitiva. O príncipe deu ordens para que ele entrasse:

- Vossa Alteza! - Bonifácio reverenciou o príncipe;

- Que bons ventos o trazem aqui meu amigo? - Perguntou o príncipe oferecendo-lhe a mão;

- Soube do acontecido na Câmara do Senado e da representação entregue a ti! Por isso, fiz questão de vir pessoalmente entregar-te a representação paulista! - Bonifácio retirou o documento da capa larga pregueada em seu pescoço, e o entregou ao príncipe.

O príncipe estava a examinar o documento, quando Lysanne se aproximou dele e falou aos seus ouvidos:

- Eis aí o nosso homem!

D. Pedro ergueu o olhar para José Bonifácio e sorriu; concordou plenamente com a observação de Lysanne e no mesmo dia, nomeou José Bonifácio, Ministro do Reino e dos Estrangeiros. Todos apoiaram a decisão do Príncipe Regente pois era a primeira vez na história, que o cargo era ocupado por um brasileiro.

Como ficara responsável pelos assuntos estrangeiros, coube a José Bonifácio a intermediação para contratar marinheiros estrangeiros para a formação da Marinha Brasileira. Desta forma, o Almirante Thomas Cochrane tornou-se no primeiro Almirante brasileiro.

Com a nomeação de José Bonifácio, D. Pedro passou a viajar mais para a cidade de São Paulo e usava constantemente as margens do Rio Vermelho como caminho. Como nessas viagens costumava levar consigo alguns nativos para o carrego das bagagens, acabou por aprender na língua deles a chamar o Rio Vermelho de Ipiranga, como eles pronunciavam.

Foi em uma dessas viagens no mês de agosto, em que partiu para São Paulo para cuidar do governo reacionário que desacatava José Bonifácio, que ao resolver passar pelo litoral de Santos, D. Pedro conheceu Domitila de Castro Canto e Melo. Seus companheiros não entendiam como ele, que se dizia impérvio à mulher alguma, apaixonara-se perdidamente!

Não demorou para que as noticias deste caso chegassem na corte. A princesa Leopoldina estava passeando pelo campo arborizado e se encontrava próxima a uma jareuá, quando tomou conhecimento dos fatos. A princesa se manteve discreta como sempre, pois sabia que seu marido acrescentara mais uma em sua vida extraconjugal e não queria se meter nestes assuntos:

- Vejo que estais cansado de tantas obrigações! - Disse ela assim que D. Pedro aproximou-se montado em seu cavalo;

- A política e as insatisfações das províncias, estão acabando comigo! - Disse ele ao descer da montaria;

- Sei..., a política!

- Que queres insinuar com isto? - Indagou-lhe D. Pedro;

- Que compreendo a Vossa posição atual! Estais abaçanado por causa da viagem, vem que vou mandar te preparar um banho! - Desconversou ela, seguindo para a propriedade...

EMANNUEL ISAC