As duas mangueiras não ficavam no quintal e sim atrás da serra, mas, passei bons momentos da infância apanhando mangas aí.
 

Antigamente por motivos de festas, novenas, terços, ou às vezes, simplesmente pelo prazer de passar horas agradáveis conversando, as famílias moradoras na roça tinham o costume de se visitarem e até "pousar" na casa de parentes e amigos, indo embora só no outro dia à tarde.

Dentre as muitas visitas dos compadres à casa de meu avô, lembro-me especialmente de certa vinda de alguns tios trazendo seus filhos para a reza de um terço.

Era uma verdadeira festa o encontro da “primaiada”. Durante o dia a turma andava a cavalo, caçava ninhos de galinha no mato, brincava com cães e gatos, nadava no corguinho, corria pelo quintal, subia em árvores, comia fruta no pé. Se fosse tempo de mexerica enredeira a presença era notada de longe.  Época de manga então, não se comia outra coisa, só manga o dia todo!

Criança de roça estava sempre faltando uma unha do dedão, tinha pés cheios de espinhos, pernas e braços arranhados, mas, era muito feliz! Não esqueço uma vez em que brincávamos a sombra de uma aroeira desobedecendo á recomendação de que ficássemos longe daquela árvore. O João, meu primo, querendo mostrar coragem esfregou várias folhas no rosto. O menino ficou irreconhecível de tão empipocado e com a cara inchada e vermelha.

No fim do dia, após a janta, as mulheres conversavam sentadas no banco grande da cozinha. Falavam de tudo: Fazeção de polvilho, receitas de doces e biscoitos, chás para todas as doenças... Na sala os homens jogavam truco fazendo muito barulho. Lembro-me do Tio Roque, sempre exagerado. Ele chegava a subir na mesa sapateando e gritando: truco, um dois, três!

À noite, no terreiro enluarado, corríamos atrás dos vagalumes, coisa emocionante!  Além disso, entre as nossas brincadeiras estava o Chicotinho queimado a Barra manteiga, porém, o preferido era Pique-esconde. Um participante ficava com rosto na parede e contava até trinta bem devagar, enquanto o resto da turma se escondia espalhando-se por todo canto. Seria vencedor o último a ser encontrado.

Num desses dias, eu e um casal de primos fomos nos esconder pros lados da varandinha do paiol. Ali se guardavam arreios dependurados, tuias, latas antigas de guardar manteiga, tachos, caixas de madeira e couro, cordas, laços e várias ferramentas. Tinha até abóboras maduras amontoadas num canto. 

Helena e eu sugerimos que Toninho se amoitasse dentro de uma das caixas vazias e colocamos a tampa por cima. Depois cada uma de nós procurou um lugar seguro e se escondeu também...

A brincadeira estava muito divertida e durou até altas horas quando fomos chamados pelas mães. Era hora de dormir. Nos quartos os colchões de palha estalavam de tão cheios, anunciando um sono cheio de sonhos.

Muitas horas mais tarde acordei assustada e chamei  Helena que dormia perto de mim.

—Leninha, acorda! Nóis esquecemo o Toninho dento da caixa na varandinha dos arreios!

—Minha nossa, Mariinha! Tadim dele deve tê murrido sem ar!

Era madrugada quando saímos pé ante pé, para não acordar ninguém. Levando uma lamparina, seguimos pelo terreiro, indo em direção ao paiol e à varandinha dos arreios.

Com o coração apertado  rezávamos para que o primo ainda estivesse vivo. Assim que abrimos a caixa, Toninho acordou assustado e esfregando os olhos sonolentos,  disse:

—Mariinha, Leninha... Fui campião do pique isconde! Ninguém achô ieu amoitado nessa caxa, né memo?
 
 


*Pousar: dormir, pernoitar.
*Tuia: 
 É o local nas fazendas onde, antigamente se guardava grãos.

 

      

               Estradinha  que nos levava às mangueiras. 

*Fotos de Maria Mineira

*Esse texto faz parte do Exercício Criativo. O tema de hoje é: "Amigo Oculto". Leia os outros autores e seu textos. Acesse o link abaixo:


http://encantodasletras.50webs.com/amigooculto2013.htm
Maria Mineira
Enviado por Maria Mineira em 27/01/2014
Reeditado em 27/01/2014
Código do texto: T4666882
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