Alimento para os peixes
Sedriks ficou embatucado pela pergunta, aparentemente inocente, de Varvara; pensou que, se fosse responder "por causa das ilustrações", estaria fazendo papel ridículo. Embora, de fato, ao menos inicialmente haviam sido elas que o haviam atraído para a leitura do texto que as acompanhava.
- Há alguma coisa mágica naquele livro - reconheceu finalmente. - Bergmanis realmente viu tudo aquilo que descreve ou tirou da própria cabeça?
Varvara pareceu ter apreciado a resposta.
- Quem poderá dizer? Tudo isso aconteceu muito antes da fotografia ter se tornado um passatempo para turistas, portanto só temos a palavra dele como prova.
- Prova... - murmurou Sedriks, abraçando os joelhos com os braços, o olhar absorto nas ondas do mar que se quebravam mansamente contra a areia dourada. - Se parte daquilo fosse verdade, já teriam aparecido com algo que comprovasse.
Varvara apontou para o mar cintilante com o queixo.
- Está vendo alguém na água? Ou no restante da praia?
Sedriks olhou para ambos os lados e não viu ninguém. Fora eles e as gaivotas, ora no alto, ora na areia, parecia não haver outras criaturas vivas na cena.
- Bergmanis se refere ao que chamou de "a solidão de Júrmala" em várias partes do livro; acho que você já está começando a entender o que ele quis dizer com isso - prosseguiu Varvara. - Tudo aqui parece meio fora da realidade, como se não estivéssemos mais no mesmo mundo onde vivem todos os seres humanos.
Apesar do sol forte, Sedriks sentiu um arrepio subir-lhe pela espinha. Era como se estivesse sendo observado através de uma lupa gigantesca por algum tipo de entidade primeva, que mal poderia conceber em sua imaginação. Percebendo o mal-estar, Varvara mudou o rumo da conversa para tranquilizá-lo.
- Não comece a pensar que não há ninguém na praia por causa de monstros que habitam as profundezas... na verdade, o problema de Zeltaini e de outras praias de Júrmala, é que a água é muito fria, mesmo no verão. Creio que, por conta disso, as pessoas daqui não são muito propensas a banhos de mar.
E apontando para um ponto, a cerca de 100 metros de distância, onde as ondas quebravam contra os recifes que protegiam a praia da arrebentação:
- Há uma corrente marítima polar que passa pela península de Landmane; isso explica porque as águas são tão frias e o mar tão violento além dos recifes. E sabe quem também gosta disso?
- Monstros das profundezas? - Sedriks tentou gracejar.
- Pescadores - replicou Varvara. - Há uma grande colônia de pescadores mais ao norte, em Zvejas Osta.
- E ninguém pesca em Júrmala? - Questionou Sedriks.
- Creio que aqui temos mais respeito pelos animais - redarguiu Varvara, e Sedriks não conseguiu avaliar se ela estava falando sério ou gracejando.
- Você falou tanto em frio, que estou começando a me sentir congelando nesse vento - admitiu.
Varvara ergueu os sobrolhos.
- Frio está para nós.
E também abraçando os joelhos com os braços:
- Agora imagine, uma criatura há muito aprisionada no gelo polar e que é arrastada até essa costa distante por uma corrente de água dentro do oceano, cheia de nutrientes e sardinhas e carapaus, e que o sol vai aquecendo e trazendo de volta à vida, lá das profundezas onde estava mergulhada...
Sedriks fechou os olhos, e por um instante, a criatura era ele e o sol o despertava para um mundo novo e estranho, onde um homem na praia o encarava com assombro.
- [Continua]
- [24-03-2021]