A faixa cerimonial

E quando saí do meu quarto na hospedaria, pela manhã, fui recebido com aplausos pelos presentes no salão de refeições, os quais se ergueram como se eu fosse uma celebridade. A estalajadeira veio até mim, segurando uma faixa bordada em vermelho e dourado.

- Por favor, queira colocar a faixa cerimonial.

- Pra que isso? - Indaguei desconfiado.

- É uma tradição local, quando recebemos alguém de fora da região - redarguiu.

- Isso vai me dar desconto na hospedagem? - Questionei.

- Não só na hospedagem... - disse um dos clientes. - Comida, bebida... todos os seus gastos, enquanto estiver na vila, serão por nossa conta.

- Olha, que legal - ponderei, aceitando finalmente a oferta. A faixa era muito bonita, bordada com fios de ouro e inscrita com caracteres da escrita local, os quais, naturalmente, eu desconhecia. - O que está escrito aqui?

Os presentes se entreolharam.

- Cliente número 1 - recitou solenemente a estalajadeira, juntando as mãos.

- Bom, acho que posso viver com isso - ponderei, colocando a faixa.

- Não a retire quando andar pelas ruas, - instruiu a estalajadeira - ou perderá a gratuidade no que consumir.

- Ah, sim, muito importante essa parte - avaliei.

Como ainda teria mais dois dias na vila, calculei que iria fazer uma boa economia usando a minha faixa de "cliente número 1"; talvez até pudesse trocar meu cavalo por outro melhor... e também o arreio, as botas de montaria...

* * *

Depois de tomar o desjejum, saí da hospedaria para resolver meus negócios na câmara de comércio local. Pelo caminho, as pessoas sorriam, juntavam as mãos e curvavam ligeiramente a cabeça, ao me verem passar a cavalo. Realmente, ali estava um lugar que sabia como tratar bem seus visitantes, ponderei.

Havia acabado de virar uma esquina para entrar na rua principal, quando me deparei com um grupo de seis guerreiros barrando a passagem: armaduras de bronze, alabardas erguidas. Não pareceram muito impressionados pela minha faixa cerimonial.

- Aí está você - comentou um sétimo guerreiro, saindo da sombra de uma árvore próxima. Ostentava um penacho vermelho no capacete, e muito provavelmente, era o comandante.

- Algum problema na via, oficial? - Indaguei cautelosamente.

- Não, nada com que precise se preocupar; somos a sua escolta - declarou ele. - Queira nos seguir.

Era uma oferta irrecusável, naturalmente. Com três guerreiros caminhando de cada lado e o comandante à frente, nos pusemos em marcha, e não pelo caminho que levava à câmara de comércio; logo percebi que estávamos indo para a prefeitura. Ali, nos aguardava à entrada um comitê de recepção, tendo à frente dos demais, um homem alto de manto escuro sobre as roupas.

- Bem-vindo seja! - Exclamou exultante. - O gabinete já está preparado para receber o cobrador de impostos do rei.

- Cobrador de impostos? - Inquiri. - Acho que se enganaram de pessoa, eu nem moro na região...

- Justo por isso foi escolhido como nosso representante - replicou o homem me dando um tapinha nas costas. - Vamos, ele já deve estar chegando.

- Mas o que eu vou dizer para esse cobrador? - Questionei.

- Não precisa dizer nada. Basta se erguer e mostrar a faixa - ele replicou.

E assim foi feito. Me ofereceram assento num cadeirão, em meio à uma sala praticamente vazia, o homem do manto de pé ao meu lado. Em seguida, o tal cobrador de impostos, chapéu de plumas na cabeça, entrou. Ele retirou o chapéu em saudação e eu me ergui, indicando a faixa. O homem fez uma vênia e saiu, sem dizer uma palavra.

- Acabou? - Indaguei.

- Acabou - suspirou ele, parecendo mais aliviado do que eu. - Agora, só no ano que vem.

Tomei nota para não passar nem perto daquela região no ano seguinte. A cerimônia parecia ter sido completamente inofensiva, mas eu tinha lá as minhas dúvidas; e se a minha cara tivesse ficado marcada em algum registro real? Melhor não correr riscos.

- Mas afinal, o que está escrito nessa faixa? - Indaguei ao mestre de cerimônias.

Ele olhou para mim e riu, enquanto me conduzia para fora do prédio.

- Não é "cliente número 1", como devem ter lhe dito.

E com um último tapinha nas costas, acrescentou:

- A melhor tradução seria "eu não tenho nada com isso".

- [08-06-2022]