SEDE DE VINGANÇA - Capítulo 1

CAPÍTULO 1 : UMA VISITA MISTERIOSA

O homem e a mulher fitaram-se, apesar de mal conseguirem se enxergar

sob a luz da pequena luminária. Quase impossível ver mais que as

silhuetas. Ela estava no fundo do apartamento, ao lado da escrivaninha

dele. Os dedos leves e trêmulos de uma das mãos descansavam sobre ela.

A outra mão mexia nervosa, vestindo novamente a luva que ela havia

tirado minutos antes. O homem estava de costas para a porta da

entrada. Elegante, vestia terno e carregava um casaco. Usava o chapéu levemente curvado para trás. Ainda mantinha um cigarro aceso nos lábios. A chave, depois de abrir a porta, rodava confusa no dedo

mínimo. Olharam-se por um longo tempo sem qualquer palavra ser

pronunciada. Ambos estupefatos pela presença inesperada um do outro.

E foi o homem que primeiro agiu. Jogou o casaco em uma cadeira e tocou o interruptor atrás da porta. Instantaneamente a sala encheu-se da luz que fez possível um observar o outro, agora com clareza. A mulher se curvou um pouco para frente, revelando o espanto e o medo nos olhos escuros, mas suaves. A voz dela, quando falou, pareceu, mesmo para ela, não ser dotada de qualquer naturalidade. Para ele, a quem o mundo dos homens e mulheres era objeto de estudo, demonstrou de imediato ter tido, com a pergunta feita por ela, uma outra surpresa.

"Quem é você? O que você quer". Ele encolheu os ombros, respondendo: "me parece que eu caberia melhor como autor destas questões. Mas sem problemas... deixe eu me apresentar. Meu nome é Albert Mason. Permita-me perguntar", dizia, com discreto sarcasmo, "a que devo esta visita inesperada?".

Ela ficou em silêncio por algum momento. Enquanto ele a observava, sua

surpresa aumentou. Sabia muito bem, devido à aparência de quem mexia em sua mesa, que este não era o caso da visita de um ladrão ordinário. O fato dela ser uma bela mulher não era exatamente o que ele levava em conta. Havia outros detalhes mais surpreendentes que ele não pôde ignorar. O belo vestido noturno de renda negra, sabia ele, não havia sido feito por um alfaiate barato qualquer. Um conjunto de pérolas, o único ornamento no pescoço dela, e o chapéu preto com suaves penas era o do tipo que ele admirava das frequentadoras do Hotel Ritz de Paris. Ocorreu a ele tratar-se de uma mulher distinta, que pertencia a um mundo que ele, socialmente, não teria sequer o direito de chegar perto. O que ela fazia ali? Qual o real interesse dela a respeito de seus (poucos) pertences?

"Albert Mason", ela repetiu, dirigindo umas poucas palavras. "Se seu

nome é este, então o que é que você está fazendo aqui?".

"Ora, eu sou o proprietário", respondeu calmamente.

"Proprietário?". Ela apanhou uma pequena chave da mesa. "Aqui é o

número 11, não é?", perguntou ligeiramente.

"Não. O onze fica no andar de cima", ele explicou. Ela, porém, pareceu

não acreditar.

"Mas eu abri a porta com esta chave!".

"O sr. Wayne e eu temos trancas similares", esclareceu. "Mas o fato é

que os números 9 e 11 ficam em andares paralelos". Ela deu um longo

suspiro, possivelmente de alívio, e deu um passo.

"Eu sinto muito", declarou. "Eu me enganei. Por favor, aceite meu

pedido de desculpas". Ela permaneceu imóvel em frente a porta. Ele

estava pálido e, bem arrumado, parecia nada mais que um tipo ordinário

dos bons cidadãos ingleses convencionais. Mas seus olhos eram cinza e

a boca reta e firme. Os olhos dela pareciam estudá-lo. Ela não

entendeu a atitude dele permanecer parado à sua frente. "Por favor, me

deixe passar", disse friamente.

"Naturalmente".

Com o véu do chapéu estando ainda levantado, era possível que com os

brilhos dos olhos, ela fizesse esmorecer qualquer homem mais fraco.

Não era o caso de Mason, que permaneceu firme.

"O que significa isso?", indignou-se ela. "Eu expliquei o porquê da

minha presença em sua sala. Foi um acidente, do qual me arrependo. Me deixe passar".

"Sim, você explicou sua presença", respondeu, "mas não explicou por

que usava esta chave para tentar entrar na sala do sr. Wayne. Vai

examinar os pertences dele, tal como fez com os meus?", perguntou,

apontando para a mesa bagunçada.

"Meus assuntos com o sr. Wayne não são da sua conta", exclamou com aspereza.

"Em circunstâncias ordinárias, é certo que não", admitiu ele. "Mas

estas não são circunstâncias ordinárias. Me perdoe a franqueza, mas eu

cheguei no momento em que você mexia nos objetos sobre minha mesa.

Suponho que você vai fazer o mesmo na sala do sr. Wayne".

"E se eu assim fizer?", retrucou, "o que você tem a ver com isso? O

que te faz pensar que eu não tenha permissão para tal, e que ele

próprio tenha me cedido a chave?". Ela exibiu-a para ele, que olhou o

objeto na mão e voltou em seguida os olhos aos dela.

"Esta suposição", disse, "não faz sentido para mim".

"Por que não?". Ele olhou para o relógio.

"Veja", declarou, "já é quase meia-noite. E, para ser franco, não me

parece normal alguém visitar o escritório do sr. Wayne a esta hora, a

não ser que haja um propósito muito sério".

Ela ficou em silêncio. O busto se movia com força enquanto respirava.

As bochechas ganharam cor. Jogou levemente a cabeça para trás,

enquanto o observava, com um intento considerado por ele quase

desconcertante. Ele teve a desconfortável sensação de que estava em

frente uma pessoa que, se tivesse força suficiente, iria matá-lo, ali

mesmo. Além disso, percebia que a mulher que a princípio considerava

bela, satisfazia completamente as vontades de alguém bastante crítico

e com gosto apurado. O silêncio entre eles alimentava um tempo longo,

povoado e rico de sensações. Ele ainda conseguiu tempo para admirar a

beleza da pele dela sob o vestido negro, e apreciar com prazer as

formas redondas de sua figura atraente, o belo formato de seu rosto, a

riqueza suave dos cabelos lisos. Cada detalhe satisfazia plenamente o

gosto exigente que possuía. Sentiu um leve tremor e apreensão quando

se lembrou da frieza das últimas palavras que saíram dos lábios dela.

Mesmo assim, como seria possível a ele agir de modo diferente?

(próxima atualização: sexta-feira, 21/11)