Suposto Medo.

Chove lá fora e o vento bate veemente na janela quase abrindo-as. Com tanta chuva e vento é totalmente aceitável que o frio venha me abraçar ignorando minhas investidas no edredom. Sozinha em casa, exceto pelo meu gatinho Liluh que, mais medroso que eu, enrosca-se sob meus pés na cama, tento me concentrar em minha dissertação. Tenho apenas mais uma semana para entregá-la e de um total de trinta páginas, acho que já produzi umas...três!

Um galho, vencido pela força da natureza, bate em minha janela fazendo um barulho que me fez derrubar a xícara de café quentíssimo. Desajeitada tento limpar tudo antes que eu sinta o calor na minha pele. Guardo tudo, não vou conseguir escrever nada hoje. Ligo a TV que provavelmente não funcionará devido ao mau tempo. Relutante decido dormir de uma vez. Fecho a porta do meu quarto, confiro as janelas e por fim ajeito-me confortavelmente em minha cama.

Fecho os olhos calmamente, tentando fechar também os ouvidos pois odeio o barulho de chuva forte quando estou sozinha. Sempre acho que ela vai me levar embora sabe-se lá para onde. Minutos depois de um sono extremamente leve acordo num assomo: Alguém bate na porta. Ou seria só o vento impiedoso derrubando galhos?

Paranoica, vou verificar. Desço as escadas vagarosamente. Mais uma batida. Tento evitar o ranger da madeira velha dos degraus. E de novo outra batida. E outra. E mais uma. Até que torna-se um som rítmico na minha porta. Batidas consecutivas que já me apavoram. Me aproximo da porta, espio pelo olho mágico. Um homem de capuz e abraçando a si mesmo bate insistentemente. Deve ser alguém que se perdeu, penso enquanto abro a porta. Para minha surpresa não encontro nada além da escuridão da noite que me persegue desde a infância. Fecho a porta fugazmente. E quando me dirijo às escadas, batem a porta. Volto-me num susto que me arrepia o corpo inteiro. Quem diabos, estaria fazendo uma brincadeira de tamanho mau gosto?

Não abro, arranco a porta ferozmente já praguejando quando, novamente, a escuridão me espreita. Medo. Um medo forte entra no meu sangue invadindo meu cérebro, fazendo-me estremecer tal qual um terremoto. Corro. E ao buscar na cozinha algo cortante com o qual pretendo me proteger deparo-me com uma figura de costas sentada à mesa, com uma xícara na mão. O mesmo homem que vi pelo olho mágico! Permaneço estática enquanto procuro entender como tal pessoa entrou ou por onde entrou ou mesmo quem seria essa pessoa. Ao tentar começar um diálogo preventivo o tal homem levanta-se e vira-se pra mim. Com a forte chuva trazendo trovoadas e raios percebo a navalha brilhante em sua mão. Ele abaixa o capuz de chuva, deixando-me ver seus olhos negros e frios. Com uma calma transcendental ele vem em minha direção, enquanto brinca com a navalha em sua mão fazendo um breve corte em si mesmo de profundeza suficiente para gotejar sangue no chão da sala.

Entro em pânico e corro pela casa buscando algo que nem eu mesma sei o que é. Subo as escadas com aquele ser em meu encalço. Sinto as pernas fracas, adormecidas, moles e desobedientes ao meu comando de fuga. Entro no meu quarto, encosto-me na parede e suplico que o dia amanheça, que o homem suma, que por favor me deixe em paz. Um trovão coincide com os murros na porta do meu quarto. Grito quando a porta cai diante do meus olhos e o tal homem entra feroz no meu quarto. Aproxima-se de mim com a maldita navalha reluzente. Ele encosta a navalha em meu rosto, sinto o frio do metal e novamente vejo seus olhos indiferentes às minhas súplicas. É quando inexplicavelmente sinto uma pontada nos pés. Sento-me assombrada e percebo que em meu devaneio esmaguei Liluh que castigou-me com uma mordida.

Foi só um sonho? Pergunto-me enquanto toco meu rosto tentando entender. Desço as escadas rumo a cozinha, pois depois de algo tão real e irreal preciso de um chá que me acalme novamente. Chego à sala e detenho-me terrificada. Incrédula fito o chão lembrando-me de cada detalhe do meu suposto sonho e confirmo o que vejo: no piso da minha sala estão, fixas como chiclete, as gotas de sangue!

MSSilva
Enviado por MSSilva em 23/10/2016
Código do texto: T5800806
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2016. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.