Antes de Partir
 
Capítulo 1
 
            Apertei mais o casaco contra o corpo quando o frio começou a de fato me incomodar. Mesmo que a primavera já estivesse começando a dar as caras, o inverno ainda não havia nos deixado por completo. Havia neve em alguns lugares, e a grama verde já aparecia através desta que derretia aos poucos, relutante. Também haviam poucas flores, pelo menos as que não pertenciam às que todos haviam comprado algumas horas antes.
            Em volta do túmulo, mais ou menos meia dúzia de pessoas vestidas em seus melhores casacos pretos se abraçavam e murmuravam entre si palavras de consolo que já não tinham tanto efeito sobre mim. Mesmo que de longe, podia ver as lentes dos óculos escuros refletindo a luz do sol. As lentes que escondiam olhos inchados e cansados, mas os meus continuavam indiferentes - Está aí o motivo para estar usando óculos, achariam-me indelicado se me vissem assim. 
            Balancei a cabeça tentando em vão pensar em qualquer outra coisa que não fosse aquela cena, aquele momento. Decidi que pensaria melhor em algum outro lugar que não fosse ali. Caminhei de volta até a entrada do cemitério, passando pelos portões de ferro e saindo para a estreita rua de paralelepípedos.
            Andei alguns metros sem pensar em muita coisa, apenas escutando o barulho dos carros ao longe na avenida movimentada e o som dos meus sapatos batendo contra o granito. Um pouco mais à frente, ficava a estação, digo, era uma construção nada extraordinária, feita com tijolos vermelhos há muito tempo e que ainda estavam à mostra, agora desbotados. As escadas de pedra levavam até a plataforma, uma das duas únicas que tinham ali.
            Num banco de madeira, duas senhoras conversavam, mas não quis prestar atenção no que diziam. Ali deviam trabalhar, no máximo, três pessoas. Me surpreenderia muito se passasse disso. Haviam cartazes colados na parede. Anúncios de shows de quase um ano atrás, aulas de violão e terapeutas. Me lembro de quando ia até lá todos os dias religiosamente atrás de uma única coisa, até o dia em que consegui.
            Não contive um sorriso. Deus, mas que tipo de pessoa eu sou? Ouvi ao longe o apito do trem, que vinha diminuindo sua velocidade à medida que se aproximava da plataforma. As duas senhoras se levantaram e um homem chegou apressado, por pouco ele perderia o trem. Eu dei um, dois, três passos à frente, um pouco mais perto do pequeno abismo que eram os trilhos e fechei os olhos.
            O cheiro do carvão, o vento que passava por ali e me afastava os cabelos da testa. O tempo pareceu ter parado por um instante. E então elas vieram uma a uma, lembranças de quando um momento como aquele não passaria de nada além de mais um minuto na vida tediosa de alguém.
            Quando penso sobre aquele dia, há sempre coisas que parecem não encaixar-se, como se tudo aquilo fosse realmente possível. Peguei o celular e o visor informava sobre uma mensagem recebida, aquele velho nome conhecido mas que eu adoraria esquecer, falando sobre saudades sentidas e lembranças dos momentos ao meu lado. As vezes penso que não nasci para relacionar-me com alguém, mas a vida sempre quer me provar do contrário.
            As portas se abriram e eu tive um puro momento de distração, como se meu pensamento houvesse viajado para longe, mas logo, percebi que algo estranho aconteceu, como um devaneio de outrora. Lembre-me de um sorriso fascinante, cabelos lisos e loiros completamente arrumados e presos com seus utensílios estéticos, seu olhar era capaz de fazer envergonhar-me sem qualquer motivo, claro que havia algo por detrás daqueles belos olhos azuis.
            Seu pai era um homem conhecido, grande contribuinte para nossa cidade, um advogado honesto e justo. Mas percebi que algo não estava certo, como se sua chegada não fosse espontânea, então imaginei que fosse forçada a estar ali, visitando aquela pequena cidade que detestava.
            O trem logo partiu, não lembro-me onde seria a próxima parada, também não estava interessado em saber. Mas algo mudou em mim ali, como se fosse obrigado a descobrir cada detalhe daquela garota, então decidi voltar para casa, assistir televisão ou ouvir os recados no telefone, muitos provavelmente dizendo: “Meus pêsames Sebastian, sabemos o que ela significava para ti, estamos aqui para o que precisar amigo”.
            Parei entre as duas ruas que me separavam de casa, como se pudesse ouvir alguma voz chamando-me, mas não passavam apenas de vozes no parque ali perto, nada que se referisse a mim, creio eu.
 
Johan Henryque e Carolina Tavares
Enviado por Johan Henryque em 05/11/2016
Reeditado em 15/02/2017
Código do texto: T5813844
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