Rua dos Prazeres

De um olhar expressivo, com cara de mau, corpo atlético, um falso-magro, barriga estonteante. Moreno-claro, que sempre tomava da sua enxada para carpir logo próximo à janela do quarto, num lote baldio. Dezenove anos de pura tentação, um convite à sedução e ao companheirismo. Difícil é ser companheiro diante de tamanha beleza! Diego, o rapaz todo certinho, mas que já estava dominado pela perdição da vida, por certo desviava seus olhos, não queria nem assunto, pois, bastava apenas um convite do pecado pra que ele tivesse que passar todos os seus dias na paróquia São José. Dizem, ainda, que o padre de lá, o padre Tonino, é um boca-frouxa, sai contanto tudo nos mínimos detalhes, todas as confissões de seus fiéis.

Na pequena cidade de Trepadeiras, região norte, afastada da capital, Taiobeiras, o assunto não era outro. O andrógino era mais falado que notícia ruim na boca dos pés inchados, das mulheres da vida e dos muitos cheiradores de pó, que incansavelmente batiam cartão naquele lugar pouco atrativo para quem está acostumado a ambientes mais familiares.

Certo dia, uma moça toda descabelada, de tom loiro-fumaça, cabelo de duas cores, raízes pretas e o restante loiro, que conhecia bem aquela região, por nome de Doroteia, andava pelas ruas com Diego, outro frequentador assíduo, bonito, de boa família, formado em sociologia, vinte e seis anos de puro desejo, a procurar não se sabe o quê, quando encontraram com Dri Samanta, uma jovem morena, de cabelos longos e bem cuidados, de corpo atraente, uma morena-jambo, mas que também adorava aquela orgia de pedras, pinga, cigarros e muito sexo. Então as duas, como sempre, disputavam os homens daquela região. E do nada entraram num embate de sangue:

_ Olha, já vem a loira de farmácia, Diego. Desta vez ela não me escapa! Ela terá que tomar banho na água de sal pra curar as porradas que darei nela!

E Diego, como sempre muito medroso, retrucou:

_ Dorô, vamos evitar confusão! Na semana passada eu estava a caminho da rua dos Prazeres e chegando no bar do Celso, aquele rapaz que sempre vem aqui, mas que não se mistura, me contou algo dessa Dri Samanta. Me disse que ela nasceu em Purrinhas, uma cidade de Alagoas e, que de lá, veio justamente pra Trepadeiras por conta de um homicídio que ela cometeu nas bocas de fumo de lá! Ela ateou fogo em um camarada que lhe devia míseros oitenta reais! Enterraram o pobre do coitado como indigente, na cova de número dez, no cemitério Bosque da Esperança. Então, evitemos confusão, por favor, finja que não está vendo ninguém!

Doroteia, de muito valente que era, tentou e se conteve com o pedido de Diego, afinal, sua mãe cuidava de dois pequenos guris, frutos de suas andanças pela vida. Foi difícil, mas o amor de mãe falou mais alto de tanta preocupação com suas crias.

Dri passou rebolando, requebrava mais que tudo! A confusão fora apaziguada, por intermédio de Diego.

Continuaram então caminhando, quando Dorô teve a ideia mais inesperada: _ Diego, vamos dar um pulo na rua dos Prazeres?

Diego fingiu não ouvir, fazendo-se de bobo! Dorô, sem paciência nenhuma, fala em tom alto: _ Diego, estou falando com você, tá me ouvindo?

Diego, ressabiado disse: _ Melhor não Doroteia, melhor não!

Diego já havia tido um contato com o ser andrógino, o rapaz sedutor e de pele brilhante, frequentador da rua dos Prazeres. Seguiram o caminho, quando então, Diego resolveu aceitar a proposta de Doroteia. Claro que já estava de caso pensado, o malandro! Chegaram na rua dos Prazeres, e em um lote cheio de mato, lá estava o andrógino, tomado de uma enxada a carpir aquele mato alto do mês chuvoso de novembro. Diego perdeu suas feições, ficou branco como leite e emudeceu-se! Os olhos de Diego não conseguiam tomar outro rumo, senão àquela tentação em forma de pessoa.

Doroteia não deu muita atenção ao desconforto de Diego e continuou seguindo para a boca. Diego aproximou-se do andrógino bem medroso e logo tascou-lhe um assunto de boa tarde. O andrógino, diante de tanta safadeza e sedução, respondeu-lhe delicadamente.

_ Boa tarde, Diego. Você conseguiu pelo menos se inscrever no concurso de Taiobeiras?

Claro que o assunto do concurso seria mais uma forma de iniciar tudo que haveria de acontecer.

Diego responde: _ Não, e você?

_ Eu também não consegui, mas tentarei no próximo concurso, se Deus assim permitir.

E Doroteia seguia rumo ao seu destino cruel, caminho lento da morte. Chamou por Diego, que disse: _ Pode ir Dorô, que te espero aqui e voltaremos juntos pra casa.

Enquanto Doroteia seguia, Diego e o andrógino puseram-se a conversar de assuntos diversos, de problemas na família, de estudos, quando de repente, Diego fora surpreendido para um café, pois, o andrógino morava ao lado. E foram. O andrógino colocou a água no fogo, riscou o fósforo olhando para Diego, seduzindo-o à toda sede. Lavou a cafeteira, o coador sujo do café da manhã. E novamente estagnou-se ao olhar destruidor sobre os olhos de Diego.Também, haviam crescidos juntos na cidade de Trepadeiras, frequentado a mesma escola até o oitavo ano e nunca nada fora despertado até então.

Diego, bastante envergonhado da situação, sentiu o andrógino aproximando-se com aquela xícara de café, talvez o café mais saboreado de sua vida, de um forte amargo, muito intenso, mas que por certo haveria de adoçar aquele momento. Resistiu, ficou mudo, calou-se, embranqueceu-se todo! De repente, as mãos do ser percorreu os braços de Diego, puxando-o a uma declaração jamais pensada pelo coitado!

_ Lembra de quando estudávamos na escola do vilarejo, Diego? Eu sempre te via diferente, só nunca tive a coragem de aproximar e dizer tudo que eu sentia. Diego, com bastante desconforto, sentiu seus olhos marejarem, pois, dentro de Diego também havia o amor.

Os dois, bem desconsertados, foram rumo ao quarto e ali se deliciaram-se daquela situação que se arrastava a anos. O andrógino disse: _ Feche as cortinas, Diego, por favor!

Diego atendeu seu pedido e se atracaram como duas labaredas de fogo! Foi um alvoroço só naquela tarde de novembro! Depois de horas tendenciosas, Diego resolveu abrir as cortinas, clareando aquele ambiente. E pra sua surpresa pôde constatar na vida de Marcelo, o rapaz mais falado de Trepadeiras. Mesmo assim, os dois seguiram o destino, enfrentaram tudo e todos e tiveram o mais lindo romance já vivido de toda a história de vida dos dois. Marcelo morreu aos cinquenta e nove anos acometido de uma infecção pulmonar e Diego havia passado no concurso de Trepadeiras, onde serviu por longos quinze anos, até se aposentar.

As diferenças fisiológicas jamais foram impedimento para que os dois tivessem cavado a felicidade. Doroteia havia caído nas redes de Dri Samanta, fora enterrada no mesmo local que o camarada sem nome havia sido sepultado, na cova décima primeira. O amor de Diego e de andrógino superou todas as más influências vividas pelos dois. A família de Diego nunca mais o procurou devido à sua decisão. Os familiares de Marcelo mudaram todos para a Bahia, pra tocarem um quiosque beira-mar.

Diego e Marcelo se encontraram novamente, duzentos e dois anos depois, na rua dos Prazeres, só que agora como Ana e Getúlio. O fim nunca é o término para quem acredita! E viveram assim, felizes, e não se soube mais nada dos dois, a saber as covas décima segunda e décima terceira, no Bosque da Esperança, sob a rezas intensas do boca-frouxa do padre Tonino. E Dri Samanta acompanhando tudo, numa procura incessante pela pessoa de Doroteia, em busca de perdão.

Daniel Cezário
Enviado por Daniel Cezário em 16/11/2016
Reeditado em 16/11/2016
Código do texto: T5825452
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