Igrejinha Azul

Era domingo, fim de tarde, daqueles preguiçosos e amarelos. Todas as cores da cidade miúda se acendiam em tons alaranjados e breves, pois o sol já ia lento rumo ao sono. O chão era daqueles de pedras irregulares, onde tantos já passaram, como se desse para ver os passos fantasmagóricos, de homens, mulheres, crianças e cavalos.

Lá ia o padre, com sua roupa preta e colarinho branco, meio calvo, meio risonho, conversando à frente da igrejinha azul, onde em outros tempos mais antigos rezavam os negros da cidade. Pois sim, havia outra igreja para os brancos. Hoje, enfim e aparentemente, é tudo misturado. Caminhava eu rumo à essa igreja, dando passos dominicais, como que o último passeio da minha vida... domingo nos traz essa impressão pré apocalíptica, onde todos só querem fazer nada, ou tomar sorvete, ou ver televisão, almoço na tia vó, família reunida na rua, jogando bobagens, fofocas corriqueiras...

O último dia, amanhã é segunda, a rotina volta, o trabalho cansa.

Olhava eu para todos os cantos da cidadezinha, o vento morno de verão soprava-me a cara e os montes verdes cobria o horizonte. Observava logo à frente uns papéis colados em um mármore, por sua vez colado à parede entre dois pequenos comércios, eram notas de sepultamento, onde havia informado as mortes do dia, eram dois senhores e uma senhora. Todas as informações continham ali, nome, foto, dia e horário do velório, menos a causa da morte.

Parei pra ver e imaginar quem foram essas pessoas, sua família, sua casa, seus sonhos...em devaneios, logo me pus a caminhar novamente.

Rumo à igreja azul, onde haviam pequenas barracas ainda sendo montadas, fui entrando devagar, particularmente tenho gosto por igrejas, tão taciturnas e misteriosas. Entrei, fui até à frente da imagem do Menino, fechei os olhos como prece e respeito. Sentei, observei então, uma senhora de joelhos de costas para mim e de frente para o altar todo enfeitado de rendas e velas. Ela rezava, em clamor e gemidos, como lamentos cantados...rezava alto mas não dava pra decifrar suas palavras, talvez falasse em códigos, uma comunicação íntima e pessoal com Deus. Todos poucos que estavam alí a olhavam, não sei se curiosos, ofendidos ou só automaticamente atraídos pela altura de sua voz. Só sei que, quando essa Senhora de cabelos ralos se virou e começou a caminhar pelo corredor rumo à saída da igreja, onde havia a luz do Sol entrando e seu corpo se misturando à luz, era como se eu à reconhecesse. Fiquei olhando com olhos meio cerrados, como se estivesse tentando lembrar daquele rosto familiar, e então pude reconhecer, era a mesma senhora que, na foto do mármore estava. Seu sepultamento, eu me lembrava, era exatamente naquele horário, e ela já ia se pondo junto ao Sol, quando os sinos da igreja começaram a soar. Já não à enxergava mais, a luz ofuscante já havia a consumido. Eu fechei meus olhos, como em prece e respeito, e continuei ali sentada, sem pensar.