A outra face do natal

Ela deu uma espiadela no antigo relógio dependurado na parede. O ponteiro grande estava parado no número 6 e o pequeno quase tocava no número 12. Isto queria dizer que faltava meia hora para chegar à meia noite. Só mais alguns minutos e seria natal.

Os olhinhos cansados penavam para não se render ao sono e correr o risco de perder o grande momento. Sua mãe falara que o Papai Noel só entrava na casa das crianças que estivessem dormindo, então ela permanecia com um olho fechado e outro semi-aberto. Os adultos pensavam que ela era tola, mas ela sabia que era esperta e capaz de enganar até o próprio Papai Noel. Afinal, poderia manter os olhos fechados e continuar acordada e todos pensariam que ela estava dormindo... Até o Papai Noel.

Tinha escrito uma carta a ele. A irmã dissera que estava cheia de erros, mas ela tinha certeza de que o Papai Noel não se importaria, pelo contrário, entenderia tudo, pois ele deveria falar a linguagem das crianças e escrever com a escrita das crianças. Não sabia como enviar a carta ao velhinho que morava tão longe. Se tivesse uma árvore em casa ela pregaria bem no alto. Por outro lado, se era verdade que ele ficava vigiando as crianças o ano todo, como sua mãe dizia, ele iria lê-la em qualquer lugar. Como não havia árvore, colou-a na janela.

Na carta havia pedido uma casa nova com um quarto só para ela, outro para a irmã e mais um para o pai e mãe. Assim, ela não precisaria dividir com a irmã o colchão que a mãe esticava no chão, entre a pia e a mesa. Pediu um emprego fixo ao pai para que ele pudesse ter dinheiro todo final de mês. Uma máquina de lavar roupas para mãe que lavava roupa para fora, para que ela não passasse tanto trabalho no velho tanque de cimento.

Pediu um vestido para irmã que já estava ficando mocinha e vivia sonhando com as lindas roupas que via nas vitrinas. E por fim, pediu para si uma boneca que vinha vestida de princesa com uma linda coroa de pedras prendendo os cabelos louros.

Estava tentando entender como o velhinho conseguiria trazer tudo isto no seu trenó voador, e ainda como entraria em sua casa que não tinha lareira, quando adormeceu.

Acordou assustada e logo identificou o cheiro do café que a mãe fazia todas as manhãs cedinho. Um misto de tristeza e alegria a invadiu. Havia dormido e mais uma vez perdera a chance de ver o Papai Noel, mas já era natal e certamente o velhinho tinha lido a sua carta e atendido o seu pedido. Correu a olhar em volta.

Em cima da mesa havia um embrulho de presente. Deu um sorriso rasgado para mãe que a observava da pia, tomou o pacote nas mãos despedaçando ansiosa o papel. Uma boneca surgiu lá de dentro. Vestida uma roupa cor de rosa, e tinha os cabelos louros, mas não era a princesa que pedira.

Olhou pela janela que dava para o pátio e avistou o velho tanque apoiado no canto da cerca. Avistou a irmã ali perto estendendo a roupa e mais adiante o pai agachado consertando a bicicleta. Era natal e nada havia mudado.

Pegou a carta que ainda estava pendurada na janela e rasgou em pedacinhos. Sua irmã tinha razão, teria que aprender a escrever melhor. No próximo ano, com certeza, papai Noel conseguiria ler tudo e realizaria o seu pedido.

Léia Batista
Enviado por Léia Batista em 17/12/2008
Reeditado em 25/01/2009
Código do texto: T1341198