O Natal de José

A garota corria radiante pelas ruas de pedra do pequeno vilarejo; quem a visse passar, nem que fosse por uma fração de segundo, certamente notaria o sorriso encantador que transfigurava-lhe todo o rosto, excedendo os limites dos lábios. Com certeza tinha algo muito bom a fazer, aonde quer que estivesse indo...

Chegou à pequena casa, bateu ansiosa à porta.

_ “Seu” Zé! “Seu” Zé!

José estava nos fundos, cortando pacientemente um duro pedaço de madeira, que parecia nunca ceder. Era daquelas madeiras enjoadas, difíceis de cortar, mas fáceis de lascar. Já lhe tomara boa parte da tarde, mas o pacato Zé não parecia angustiado; pelo contrário, mostrava-se excitado com o desafio de achar a dose certa de força a se aplicar. “Madeiras são como pessoas”, pensava. “Cada uma exige a habilidade certa para se lidar, o equilíbrio correto...”

Mas a notícia que receberia, ao abrir a porta assustado, lhe lembraria alguém capaz de lhe desconcertar por inteiro, fazendo-o se sentir sem habilidade alguma.

_ “Seu” Zé, a Maria chegou!

Imediatamente bateu na roupa para tirar o pó, pegou as sandálias e saiu afoito, andando o mais rápido que podia. A idade o impedia de correr como a pequena mensageira, mas não de sorrir como ela. Os observadores daquelas ruelas agora viam um jovem senhor a ir ansioso pelo caminho inverso ao da menina serelepe, num misto de encantamento e angústia.

Sim, aquele sereno coração de carpinteiro era capaz de se angustiar, como qualquer outro; mas a sensação agora era simplesmente aquela tênue angústia de quem não vê a hora de matar uma doce saudade.

_ Maria chegou! A minha Maria...

Chegou à casa, bateu na porta. Joaquim atendeu, jovial.

_ Ora, ora! Mas a noiva mal chegou e você já vem vê-la, heim? Não vai nem esperar a moça descansar da viagem?.Esse é o meu genro!...

Riu e o abraçou, caloroso. Não havia sogro mais bem-humorado.

_ Vamos entrando! Maria está no quarto com a mãe, arrumando suas coisas. Logo, logo aparece...

José sorriu, enquanto tentava segurar a ansiedade. Esse “logo, logo” poderia ser uma eternidade. Que remédio, teria mesmo que esperar! Mas paciência... pra quem já esperara mais de três meses...

Conversou longamente com Joaquim, até que chegou Ana.

_ Olá, José. Maria está lhe esperando. Ela quer muito falar com você.

Sorriu para os sogros, e foi ao tão aguardado encontro com a pequena noiva.

_ José, meu amado!

Abraçou-a forte, como se nunca mais a fosse largar. O coração disparado, os olhos brilhantes, quase transbordando, a denunciar a saudade contida. Nunca sentira aquilo por ninguém; Maria era capaz de desarmar-lhe, de fazê-lo render-se aos mais profundos sentimentos que lhe tomavam a alma. Com ela, ele tinha os sonhos mais encantadores, cheios de amor, de esperança; com ela, ele tinha fé.

Como sempre, ela estava linda. Aquela beleza encantadora, de quem comunica mais com um olhar do que com mil pergaminhos. “Desvia de mim os teus olhos, porque eles me fascinam”, dizia o Cântico de Salomão. Teria ele conhecido Maria?

_ Ah, José, como senti saudades suas enquanto estava na casa da prima Isabel! Nem pudemos nos despedir quando fui, pois você estava no campo e eu parti às pressas...

_ Sim, sim, eu soube!... Mas não importa, o que importa é que agora está aqui, comigo...

_ Ah, José...

E ria, radiante. Maria transmitia uma alegria serena, mas intensa. Estava, porém, diferente; não parecia mais aquela menina de quem José ficara noivo. O sorriso era o mesmo, mas não era o de sempre. Ela agora sorria como... como uma mulher.

_ Ah, José, quanta coisa linda vivenciei neste tempo... Quanta coisa maravilhosa! Acompanhei os três últimos meses de gravidez de Isabel, ela e Zacarias estão radiantes com o filhinho que Deus lhes deu, o pequeno João!...

_ Gravidez? Mas Isabel não era estéril?

_ Sim! Foi um grandioso presente de Deus, uma dádiva dos céus, José!...

Sorriu. Mas algo lhe dizia que Maria tinha uma coisa importante a lhe dizer. E não estava com cara de ser algo simples.

_ Maria...

_ Sim?

¬_ Sua mãe comentou que queria me contar algo...

Maria ficou séria. Continuava, contudo, serena, como se contemplasse algo.

_ Sente-se...

Sentaram-se. José a olhava fixamente.

_ Sim, José... tenho algo a lhe dizer. Algo muito importante, a transformar tudo... Tudo mesmo.

Silêncio. Mesmo sem perder a serenidade, por um instante os olhos de Maria vacilaram, desviando-se para o chão. Como contar? Como dizer o indizível? Não havia como explicar. Ele teria que sentir na pele, experenciar aquilo tudo.

_ José... me dê a sua mão.

Pegou a mão do noivo, com firmeza. Trouxe-a vagarosamente para junto de seu corpo, até que tocasse seu ventre, por cima do manto. José permaneceu alguns segundos ainda um pouco assustado, com a mão ali, tentando compreender do que se tratava. Notou que a barriga da noiva estava um pouco estufada e, de súbito, percebeu com o olhar que os seios estavam maiores, mais redondos – tirou então a mão num ímpeto, como se tivesse tocado uma chama ardente.

_ Maria!...

Os olhos estavam atônitos, a boca aberta, a mente ainda sem conseguir entender. Maria continuava serena, com um olhar compassivo.

_ Ah, minha amada! – disse, enfim, enquanto a abraçava, lânguido. Como foi acontecer uma coisa dessas? Por Deus, quem foi lhe fazer uma coisa dessas?!

_ José...

Ele a olhava, transtornado.

_ Meu Senhor, quem teve a coragem de lhe fazer isso, minha Maria? Quem foi o homem sem coração que não teve piedade de ti?... Quem é este, que não ama a própria vida?...

_ José...

Parou, e olhou-a profundamente.

_ José, ninguém me fez mal algum.

Então o corpo de José paralisou-se. Entrou em estado de choque, não conseguia mover os olhos esbugalhados, a boca aberta, as mãos caídas ao lado do corpo. Sua face estava branca como de um cadáver, não conseguia sequer elaborar algum pensamento.

Aos poucos, porém, os movimentos foram voltando-lhe, conseguiu enfim balbuciar algo.

_ Maria... você...

Ela continuava séria, olhando-o com compaixão. Não parecia, de forma alguma, estar confessando um grave crime, que poderia custar-lhe a vida.

_ Não, não pode ser verdade. Você não, Maria. Não é possível!

O olhar mariano não mudava.

_ Maria, você seria a última mulher em toda a Terra a fazer isso algum dia. Você ama a vida, Maria. Não seria capaz de fazer algo assim...

Ela conhecia as regras para quem fosse apanhado em adultério.

_ José...

_ Não, minha amada, não é necessário proteger quem lhe fez isto desta forma, nós arrumaremos um jeito! Não é preciso sacrificar-se, nem a esta pobre criança que você carrega dentro de si! Por Deus, não será preciso derramar sangue algum!

_ José, você crê em Deus?

A pergunta o desconcertou. Ele temia profundamente a Deus, e Maria não só o sabia, mas era sua companheira de orações diárias. Por que lhe perguntava isso agora?

_ Maria, sabes que minha vida é toda do nosso Senhor. Do Deus de Abraão, de Jacó e do pai Davi. Sem Ele, sou como o pó da estrada... não sou nada.

_ Então, José, ore. Ore e creia que Deus cuidará de tudo.

Foi para casa ainda meio que em choque, olhando para o longe sem ver nada. Ainda não conseguia entender, enquanto milhares de pensamentos percorriam concomitantemente sua cabeça. Os passos lentos de agora em nada refletiam a ansiedade de quando viera, momentos antes, pelo mesmo caminho. Agora, sim, sentia angústia de verdade.

A tarde já se ia, a noite começava a despontar. O céu limpo ia tomando um azul cada vez mais escuro, enquanto estrelas iam surgindo aqui e a ali. No oeste, um vermelho-alaranjado denunciava que o sol ainda estava por perto, recém-escondido atrás do monte, enquanto a lua ganhava cada vez mais brilho no horizonte oposto. Ainda estava grande e amarela, insistindo em iluminar a escuridão que surgia.

O olhar de José foi se voltando para o céu, e sem perceber começou a contemplar aquela bela cena, que poderia tranqüilamente passar por corriqueira – e que, de certa forma, não deixava de sê-lo. Quando deu por si, estava parado no meio da rua, a olhar para o céu, sem pensar em nada. Por um instante, sentiu paz. Não estava sozinho.

Passou o resto da noite a meditar as escrituras, os preceitos que guardava com afinco na mente e no coração. Pensou nas penalidades aplicadas a cada caso, estupro, adultério, rejeição... A última coisa que queria era denunciar Maria, isso nunca! Morreria por ela, mesmo que tivesse cometido o pior dos pecados. Mesmo que fosse a última das pecadoras, aquela mulher merecia todo o perdão do mundo.

Sim, a lei era necessária, mas... Não seria justo! A lei servia para proteger o povo do pecado, e nisso era boa... mas como salvar a pobre alma que caísse em pecado? Quem salvaria a mulher pecadora, quem salvaria a todos?...

Pensou em abandoná-la em segredo. Fugiria para longe, sem nada dizer; assim pensariam que o filho era seu, e portanto dariam todo o amparo a ela e à criança. Toda a cidade iria amaldiçoá-lo para sempre, mas sabia que Deus seria sua testemunha, e lhe protegeria de qualquer desgraça.

Sim, era o melhor a fazer. Sangue algum seria derramado. Estava resolvido.

Mas... por que ainda algo não lhe parecia estar bem? Por que não sentia firmeza em seu coração?

Preparou-se para dormir. Já deitado, lembrou-se do pedido de Maria para que orasse. Dirigiu-se a Deus, já sem forças, entregando-lhe toda aquela situação. Agora tudo estava em Suas mãos, já não dependia da sua limitada inteligência humana, de simples carpinteiro. Que fosse feita a vontade divina, independente de qual fosse. Recitou alguns salmos, sussurrou profecias. Dormiu rezando.

Passou uma noite um pouco agitada, virando-se várias vezes na cama durante o sono. Até que uma luz fê-lo ir acordando aos poucos. Uma sensação misteriosa, então, foi apoderando-se de sua alma; arrepiou-se, sentindo um misto de temor e fascínio. Abriu os olhos devagar, distinguindo aos poucos uma figura difícil de descrever, só saberia dizer que, por algum motivo, sabia de onde aquela criatura viera. Sentia, naquele momento, que estava envolto ao sagrado.

_ José, filho de Davi!

Sim, era um anjo. Um anjo a falhar-lhe!

_ Não temas receber Maria por esposa, pois o que nela foi concebido vem do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus, porque ele salvará o povo dos seus pecados.

Ele poria nome no menino!? Então Deus havia lhe escolhido como pai!

_ José, creia que tudo isto aconteceu para se cumprir o que Deus falou por meio do profeta: “Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho, que será chamado Emanuel, Deus conosco!”

Sim, a profecia! Então ele fora o escolhido!

_ A profecia! – gritou, levantando-se num ímpeto. O anjo sumira, agora via seu quarto, e a manhã começando a despontar timidamente no céu ainda negro, lá fora.

Saiu correndo, do jeito que estava. Agora sim sentia-se um menino, a percorrer as ruas como um alazão, percorrendo o trajeto mais rápido do que nunca fizera.

_ Maria!!

Nem bateu na porta, foi direto à janela do quarto da noiva, assutando-a.

_ José!

_ Maria, não é preciso dizer nada, minha amada! Agora eu sei, agora eu vejo o que Deus realizou em ti! Eu sabia que seria incapaz de fazer algo assim, tu não tens pecado, minha doce Maria! Pelo contrário, és a mais pura das mulheres!

_ Eu nunca te trairia, meu José...

_ Nem a mim nem a Deus, minha Maria! Eu sempre soube disso. Por isso não conseguia entender... Mas Deus me iluminou a mente, e agora eu compreendo! E como me deixa feliz ver tudo que Ele está realizando em nós! Você alcançou graça diante de Deus, minha amada. Ele te escolheu entre todas as mulheres...

_ Ah, José! Te digo que meu espírito exulta de alegria pelas maravilhas que Deus está realizando! Deus se fez homem, e está aqui dentro de mim... Ele olhou para a nossa humildade, nós que somos simples servos, tão pobres... Veja, José: Ele retira o trono dos poderosos, dos gananciosos, e escolhe os puros e simples!...

_ E nós somos testemunhas disso, minha Maria. Nossa vida será um testemunho vivo das maravilhas que Deus realiza através do seu povo!

E assim foi. Em pouco tempo se casaram, e eis que, na época do nascimento da criança, estavam José e Maria em plena viagem, por conta de um recenseamento ordenado pelos poderosos da época. Mas eis que, ao chegar a Belém, José sentia-se um estrangeiro em sua própria cidade, em meio a antigos familiares:

_ Lamento, não há mais lugar na hospedaria.

_ Mas minha mulher pode dar a luz a qualquer momento...

_ Olhe, José, veja se alguém se dispõe a ceder-lhes o lugar. Por mim, não posso fazer nada...

Entristecia-lhe o coração, e o de Maria também. Que ironia, o Rei não tem casa mesmo antes de nascer...

Maria meditava sobre aquilo tudo, lembrando-se das profecias. Sabia que seu filho seria rejeitado, sabia que ele haveria de passar pelos piores momentos, desde a hora em que fora concebido em seu ventre. A salvação já estava no mundo, há nove meses. Era chegada a hora de o mundo a conhecer.

Então começaram as contrações. José, preocupado, procurava alguém que lhes cedesse um quarto, uma cama, ao menos por algumas horas. Mas a pequena vila estava em polvorosa, todos preocupados demais com as confusões que a burocracia do tal recenseamento provocava. Os próprios parentes lhe viravam a cara tão logo o avistavam, por saber que procurava alojamento.

_ Mas é só por alguns instantes, o garoto está nascendo!

Mas seu grito se perdia em meio ao barulho da pequena multidão. Um bêbado riu da sua cara, perguntando se ele agora era mago, pois já sabia o sexo da criança antes de nascer. Foi o único que lhe escutou.

Voltou para onde estava Maria, amparou-a pelo ombro e saiu a caminhar com ela, decidido, em direção aos arredores da vila.

Encontraram um pequeno curral, onde alguns animais pastavam, tranqüilos. Catou algumas palhas e folhas de capim, e rapidamente arrumou um local limpo para a mulher deitar. Já anoitecia.

Os gemidos de Maria agora aumentavam, as contrações pareciam cada vez maiores. Segurou forte sua mão e afagou-lhe os cabelos, dizendo-lhe algumas palavras de consolo. Mas ela não parecia desconsolada; muito pelo contrário, parecia concentrar todas suas energias naquilo que estava para acontecer, no que seria o momento mais sublime de toda sua vida até então.

Sem tirar os olhos de Maria, José arrumava tudo, limpando o pequeno local com uma espécie de espanador que improvisou com folhas e galhos de um arbusto.

Uma chuva fina começou a cair. “Que bom!”, ele pensou. Saiu a procurar por folhas grandes, achou numa árvore a poucos metros. Usou uma pequena corda que alguém esquecera no curral para amarrar duas folhas em forma de concha, e atou-as na borda do teto da cabana, de modo que fossem recebendo pingos da chuva. Em pouco tempo tinha duas canecas d’água. Ofereceu-as a Maria, que exigiu que ele bebesse um pouco também.

_ José – disse ela, enquanto segurava sua cabeça e olhava-lhe nos olhos – O filho que Deus nos deu está vindo ao mundo!...

_ Bendito seja Deus, mulher! Bendito seja!...

Então ocorreu-lhe que precisariam de um lugar para repousar a criança. Olhou para um lado e para o outro, pensando no que poderia fazer; viu então um cocho onde os animais comiam. Estava vazio, e provavelmente só o abasteceriam no outro dia de manhã.

_ Me desculpem, bichinhos... mas hoje esse cocho vai ter outra utilidade...

Levou-o para perto de onde Maria estava, e começou a limpá-lo. Botou algumas palhas para amaciar, e forrou com folhas e pétalas de algumas flores que encontrou. Ficou um belo ninho.

_ José, pegue os panos que trouxemos na viagem... Para envolver o pequeno...

Separou então os panos, e foi para junto de Maria. Os gemidos aumentavam, ela começava a transpirar cada vez mais. José não cessava de enxugar sua testa com um dos panos e dar-lhe goles de água que pegava com as conchas.

Maria sentiu então que era chegada a hora, e pediu a seu esposo para ajudá-la. Apoiou as costas na parede, de modo a ficar um pouco inclinada, enquanto concentrava suas forças para o parto. Um pouco trêmulo, José pôde ver a cabecinha do bebê ir aparecendo, pouco a pouco, enquanto tentava ajudá-lo a sair...

De repente, um choro tímido cortou o ar, assustando os animais que se refugiavam no canto do estábulo. Era o pequeno Jesus.

José o pegou nos braços, enquanto, habilidoso, cortava o cordão umbilical com sua faca. Limpou-o, envolveu-o com os panos, e tratou de entregá-lo à mãe.

A cena que viu então não poderia ser descrita nem pelo mais inspirado dos oradores, nem pelo mais habilidoso dos pintores. Aquele olhar de Maria para seu filho, para o seu pequeno Jesus, foi a coisa mais maravilhosa que poderia contemplar em toda a sua vida. O menino parara de chorar, e abrira os pequenos olhos, fitando os da mãe, que correspondia com um olhar profundo, como se enxergasse a alma do pequeno ser que estava em suas mãos. Era como se já se conhecessem (e, na verdade, já se conheciam...).

Foi então que Maria, sorrindo, olhou para o marido, e estendeu-lhe o bebê. José, estremecendo um pouco, sorriu e o pegou no colo. Pôde então contemplar seus olhos, suas pequenas mãozinhas, cada pedacinho do corpo daquele pequenino milagre.

Nisso ouviram um ruído por trás das árvores. Viraram-se, e notaram uma criança a observar aquela cena. Provavelmente, o filho do dono do curral.

José, sereno, botou o dedo na boca, fazendo-lhe sinal de silêncio. O garoto correspondeu, como que entendendo que não devia contar para ninguém. Então virou-se, correu para dentro de casa, e rapidamente voltou com alguns figos na mão. Como adivinhara que eles tinham fome? Deixou-os ao lado de Maria, e botou novamente o dedo nos lábios, pedindo segredo. Ela correspondeu, sorrindo, e o garoto partiu correndo.

E assim foi o primeiro Natal. Sem uma família numerosa, sem comida farta, sem grandes presentes. Mas, para aquela pequena família, abandonada num pequeno curral, não havia momento mais feliz. Maria sorria como nunca, enquanto descansava e contemplava tudo em seu coração. Com Jesus nos braços, José balbuciava um salmo qualquer, agradecendo por poder vivenciar tudo aquilo. Estava maravilhado, sentia uma sensação indescritível de plenitude, como se tudo, enfim, já estivesse consumado. Diria até que poderia morrer feliz naquele momento, não fosse a vontade enorme de criar aquele filho com todo o amor do mundo, cumprir a maravilhosa missão que lhe havia sido concedida. A vida tinha sentido.

Notou então uma estrela a brilhar mais forte no céu. A chuva cessara, as nuvens aos poucos iam dissipando-se. Lembrou-se então daquela noite de angústia, ao sair da casa de Maria, e de repente, meio que sem saber por que, se viu a pensar sobre o que seriam as estrelas, as nuvens, a lua. Diziam que, no Oriente, havia magos capazes de desvendar o segredo dos astros, saber o significado de cada um.

Mas, naquele momento, não precisava ser um mago para saber o que dizia aquela estrela.

Bastava um coração de carpinteiro.

Gabriel Resgala – 20.12.08

TEXTO PUBLICADO NA OBRA "COMPREI JUJUBA!" - www.compreijujuba.blogspot.com