Um Natal prá lá de maluco

Olhei para o papel, que continha uns garranchos rabiscados por uma prima, que nos visitara a alguns meses atrás. Com muita dificuldade consegui ler o endereço: --"Rua Ouro Negro, Nº 42".

----Quarenta e dois! È aqui!

Apertei a campainha e ficamos aguardando alguém vir nos atender. A porta se abriu acima de um lance de escada de mais ou menos uns oito degraus. Uma senhora de aproximadamente quarenta anos nos atendeu.

----Pois não?

----Boa noite! --Respondi.

Aquela senhora ficou nos observando por alguns segundos, tentando nos identificar sob a fraca iluminação de uma pequena lâmpada pendurada ao alpendre que cobria o portão.

Observei uma placa, já amarelada pelo tempo, pendurado junto a janela em forma de arco com seus vitrais coloridos. A placa anunciava o concerto de roupas (Barras, zippers, botões e etc).

----O Anacleto está? Perguntei.

Sem nada responder, ela desceu os degraus e se aproximou tentando nos reconhecer.

----Ele deu uma saidinha! È só com ele?

A mais de vinte anos que eu perdera o contato com o primo Anacleto. Havia me mudado para outro estado e vagamente, através de alguns conhecidos, fiquei sabendo que ele, depois que se casara, mudou-se também, e ninguém sabia ao certo o seu endereço. Sómente agora através dessa minha prima, que havia nos visitado, é que consegui localizá-lo.

Expliquei a aquela senhora, que nos atendeu ali no portão, quem eu era. Ela nos convidou a entrar. Antes, porém, eu lhe apresentei minha esposa, minha filha de treze anos e o meu filho de onze.

----Nossa! A mais de vinte anos que vocês não se vêem?

----Prá dizer a verdade quase trinta. Posso dizer que eramos como irmãos. Moravamos, desde crianças, vizinho um do outro. Depois que nos mudamos acabamos perdendo o contato.

A campainha tocou. Ela foi atender, e logo em seguida retornou com duas garotas e quatro rapazes.

----Essa é minha filha, e esses dois cavalões são os meus filhos! Os outros são amigos!

Após as apresentações, envolvidos pela doce fragrância do espírito natalino, ficamos ali na sala conversando com o pessoal. Mais pessoas foram chegando e a cada um eu era apresentado como sendo o primo do Anacleto. Já estava beirando a Meia-Noite e nada dele chegar. A essa hora dentro da casa, agora cheia de parentes por parte de sua esposa, o clima de festa se apossara de todos que ali estavam. Rolava cerveja, caipirinha, champanhe e tudo mais que se tinha direito. E o pior de tudo é que me misturei com um pessoal que adorava contar anedotas e ai a coisa não prestou, pois se tem algo que sei fazer, e muito bem, é contar piadas. Só sei que no fim acabei me tornando o centro das atenções e consequentemente fomos proibidos literalmente de irmos embora. Todos estavam anciosos para verem a surpresa do Anacleto ao rever o primo que não via a quase trinta anos.

De repente os ponteiros dos relógios, se entrelaçaram em um abraço fraternal, comemorando a meia noite de mais um dia de natal.

----FELIZ NATAL!!! --Gritou um dos filhos do primo Anacleto.

Todos ali se abraçaram e tilintaram os copos e as taças, numa confraternização sublime de agradecimento pela vinda do menino Jesus, aquele que veio ao mundo para morrer em pról da remissão dos pecados da humanidade.

Eu confesso, já meio embriagado, abraçava e beijava a todos, feliz da vida por ter ganho, de repente, uma família tão maravilhosa como aquela.

Já era quase uma hora da manhã, e todo mundo já preocupado com o sumiço do Anacleto, quando ouvi alguém gritar:

----Anacleto seu maloqueiro, isso é hora de chegar!

----Rapaz!!! Você nem imagina a canseira que eu tomei! A porra do carro pifou ali perto da Vila Cangaiba, e prá mim conseguir arrumar um mecânico a uma hora dessas foi quase impossível!

Ali da sala eu apenas ouvia a conversa, mesmo assim dava para ver o quanto ele era querido, pois todos correram em sua direção para desejarem-lhe um Feliz Natal. E quando a poeira se assentou eu ouvi sua esposa dirigir-se a ele de maneira carinhosa:

----Tem uma surpresinha para você!

----Surpresa? Que foi?... Ganhei um carro zero?

----Vem cá!

Sua esposa pegou-o pelas mãos e o trouxe até a sala onde eu e a minha família ficamos por alguns momentos sózinhos.

Permanecemos ali parados, por alguns segundos, olhando um para a cara do outro. Está certo que eu me encontrava ligeiramente embriagado, porém logo percebi que alguma coisa estava errada. O primo Anacleto era baixo, branquelo e magricelo. Aquele Anacleto ali, estático a minha frente, era alto, moreno e parecia um guarda roupa com as duas porta abertas.

----Pera ai!!! Alguma coisa deve estar errada! Esse ai não é meu primo Anacleto!

----E eu também não te conheço não!!! --Respondeu ele meio surpreso, sem saber patavina alguma do que estava acontecendo.

Depois de muita conversa descobrimos que o número da casa, informado por minha prima, estava errado. O verdadeiro primo Anacleto morava na outra quadra, e por uma incrível coincidência ali, no número 42, morava, também, um Anacleto, que conhecia, e muito bem o seu xará, que ali na rua era conhecido como Anacletinho para evitar confusão com o Anacletão.

Desfeita a confusão descemos todos juntos até a casa do verdadeiro Anacleto, que eu procurava a quase trinta anos. Ai sim é que a festa pegou fogo. Foi uma tiração de sarro danada. Só sei que a festa rolou até altas horas e tenho certeza que jamais será esquecida por quem viveu aquele momento no mínimo inuzitado.

Temos na família, agora, dois Anacletos. Um que é meu primo de sangue e outro, que hoje, acabou por se tornar muito mais que um irmão.

FIM