UMA NOITE ESPECIAL


 

 Há alguns anos, trabalhei numa grande loja de departamento.  No mês de dezembro éramos obrigados a fazer horas extras. O movimento de loja era intenso, não parávamos um só momento. Não dava tempo para entrar no clima natalino.

 Para o comércio Natal significa “vender, vender e vender”.
E nós,  também éramos obrigados a entrar naquele  clima. Tínhamos que vender, vender e vender. Eu chegava em casa  muito cansada, o corpo  só queria  cama.


Certa vez, numa véspera de natal,  dentro do ônibus a caminho de casa, eu recordava  a loja em reboliço, lembrava das  pessoas eufóricas esbarrando uma nas outras e enfrentando filas quilométricas para comprar e pagar os seus presentes.  Eu pensei: quanto sacrifício!  Mas tudo é válido  para agradar alguém muito especial.
Naquele momento eu senti uma  imensa tristeza. Creio que devido à fadiga. Sentia-me só,  carente, queria me sentir especial; queria está em casa com a minha família trocando presentes e depois, diante da mesa posta para ceia fazer  uma oração de ação de graças e brindar o Natal.  Eu sabia que ao chegar em casa possivelmente já estariam  dormindo, pois já era quase meia noite.  E eu ainda iria demorar uns vinte  minutos para chegar em casa.


Na segunda parada, em frente à Catedral, sobe no ônibus  um jovem casal acompanhado de cinco crianças. A mais velha das crianças deveria ter uns dez anos de idade e a mais nova era um bebezinho de colo. Aparentavam ser  muito pobres. As crianças traziam nas mãos brinquedos embalados em sacos de plástico transparente e o pai segurava uma cesta básica embalada em papel celofane. Eles ocuparam  as cadeiras em frente a minha.

A que me chamou a atenção naquela família foi a união e uma alegria que contagiou não só a mim, mas a todos que se encontravam naquele veículo.
Eles cantavam hinos natalinos, aplaudiam e bradavam.  
Nisso umas das crianças, uma meninha de aproximadamente  cinco  anos,  virou-se em minha direção. Perguntei curiosa:
 
- qual é o seu nome?
 
- Paola


- você é uma menininha muito bonita!  Sabia que eu sou uma criança grande?


- que mentira! Você fala como gente grande.


- sou sim! – falei imitando a voz de uma criança.


Ela sorriu. Mas continuou a me fitar com aqueles olhinhos brilhantes.


Depois de alguns segundos, me pergunta:


- sabia que hoje é Natal?


-  é mesmo?


- é sim! É a festa de Jesus!


- quem é Jesus? – fingi não saber
 
 
- é a aquele moço bonzinho que mora no céu!  - Apontou  o dedinho para o alto.
 
- ah, sei...
 
- psiu! Às vezes eu sinto que ele está bem pertinho de mim.
 
- verdade?
 
- é sim. Eu sinto quando estamos rezando juntos com o meu papai.
 
- que lindo! Eu queria sentir também.


- Então  feche os seus olhinhos, junte as suas mãozinhas e reze  assim:
 
“Papai do céu, proteja o meu papai, a minha mamãe, a mim e aos meus irmãozinhos, fica conosco para sempre. Amém”
 
Através dessa pequena e inocente oração, percebi o quanto àquela família era valiosa.
 
Naturalmente a criança mudou de assunto:
 
- sabia que as nuvens são branquinhas da cor de algodão?
 
- sabia
 
- qual é a cor da sua roupa?
 
- vermelha
 
- ah,  da cor do tomate.
 
A mãe olha para traz, pisca o olho para mim e fala baixinho:
 
- ela é cega. Mas percebe tudo.
 
Não sei se ainda verei a Paola novamente, mas aquele rostinho  iluminado ficou para sempre guardado na minha memória.
 
Desci do ônibus com o espírito revigorado. Não precisei de presentes para me sentir especial.
 
Ainda hoje ecoa nos meus ouvidos a melodia que eles cantavam: 
 
 
“Blim blam blim blam blim blam
Bate o sino da Matriz
Papai e mamãe rezando
Para o mundo ser feliz

Blim blam blim blam blim blam
O Papai Noel chegou
Também trazendo presentes
Para a mamãe e o vovô”

 
 

jambo
Enviado por jambo em 26/11/2009
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