A Noite de Natal

Minha mãe estava animada com a ceia de natal. Apesar de atarefada, permanecia alegre e falante. Nos raros momentos em que meu pai se encontra em casa, é dessa forma que ela se comporta. Eu observava tudo, confortavelmente instalado em uma cadeira na porta externa da cozinha.

Quando cheguei do mercado à mando de minha mãe, depositei a sacola carregada de cebolas e tomates na mesa, já me encontrava sentado quando veio o grito estridente da cozinha. A ordem era realizar uma ligação convidando para a ceia, uma tia solteira que morava razoavelmente perto. Aborrecido com o descaso pelas minhas pernas cansadas de subir e descer as ladeiras belorizontinas transportando além de todo meu peso, grandes sacolas de condimentos, apanhei de má vontade o aparelho de telefone e a agenda no vestíbulo.

Quando recebi a imediata recusa de minha tia por tão importante convite, não hesitei em questioná-la à razão de sua escolha. A resposta foi cheia de desculpas, “não, filho. A noite de natal é muito triste. Peça desculpas a sua mãe mas não consigo me alegrar nessa data”. Assustado com resposta, novamente inqueri a mulher sobre seus motivos. “Não há motivo pra preocupação, filho. Só fico triste porque me lembro da ceia da minha infância. Não tínhamos muito dinheiro, minha mãe fazia um tipo de mingau branco de farinha de trigo. Mas também não podíamos comprar aveia, nem o açúcar. Tomávamos o mingau com café e íamos dormir tristes porque sabíamos que no dia seguinte,o almoço de natal também seria mingau ralo de farinha e café, frios porque era preciso economizar lenha.” Ante ao meu silêncio, minha tia riu, sem graça.

A noite, em meio às gargalhadas ( o vinho já no fim) e conversa, olhei para o meu suntuoso prato, intocado. Encarei o pernil e tentei encorajar a minha boca a sentir vontade de mastigar. Sem sucesso,pedi licença e saí para a varanda, encontrei o cão de companhia se esbaldando com os restos ainda quentes do jantar de alguns convivas, voltei à mesa. A família e os amigos alegres e contentes, o prato cheio, sortido de aromas e cores...

Dormi tarde naquela noite de natal. Apesar dos presentes e festividade, não consegui pensar em outra coisa a não ser em uma sala escura, uma mesa silenciosa e uma tigela de mingau branco.

Paulo Rarys
Enviado por Paulo Rarys em 13/03/2010
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