MENINO DE RUA (HISTÓRIA DE NATAL)

Ali, na manjedoura de papelão, dorme o menino.
Sua cabeça entorpecida de éter, seu enxoval de miséria, dorme.
Zelam por ele a memória de uma mãe Maria, a distância de um tal José e a luz de um poste.
Esconde-se de Herodes sob a marquise de um comércio, de uma loja de grã-finos.
A noite é fria, o céu parece chorar.

A garoa fina cobre os carros estacionados na frente dos restaurantes.
As luzes dançam na falsa neve de garoa.

Três seguranças,três homens magros, chegam perto do que dorme.
Cuidam dos carros,vigiam a rua e se vêem diante da manjedoura de papelão.

As ordens são para expulsar, botar pra correr.
Um dos três chega mais perto, percebe o sono, sente o cheiro ruim e diz: "esse não se levanta assim tão facilmente".

"Deixa o menino dormir! Hoje é noite de Natal!"
"Nesse sono de fome, a ninguém ele fará mal".

Seguem seus rumos.
Do walkie-talkie, a voz do chefe: "viram algum problema aí?"

E os três, enternecidos, em santa cumplicidade, quase que em coro falam:"tudo em paz, tranquilidade".

E o menino segue seu sono (será que sonha?) em sua manjedoura de papelão.