FOLHAS DE DEZEMBRO - ORAÇÃO NO VAZIO

Num presídio, cinqüenta homens se amontoavam naquele cubículo. Não havia refrigeração. O ar fétido ardia as narinas. O cheiro de mofo provocava dores de cabeça e a iminência da morte trazia o vazio daquela realidade. As onze da noite, começava o turno do sono. Enquanto vinte e cinco dormiam duas horas, os outros vinte e cinco aguardavam. No canto, Túlio, condenado por homicídio, se arranjava no cantinho da cela. Sabia que sua vida já não valia muita coisa, mas naquela noite em especial, pensava na sua vida. Principalmente no casal de filhos. Pensava também na infância de brincadeiras. Nos pais e nos sonhos mortos nas conseqüências das escolhas.

As lembranças foram até a proposta de um "amigo" há coisa de uns seis anos: "Vai cara. É onda!" Foi a frase de Rogerinho portando um saco plástico com um pó branco. A turma em volta ria. E então ele cedeu e aceitou. Foi como se uma porta se abrisse para tudo mais que aconteceu até o dia em que foi preso em flagrante pelo assassinato do frentista durante um assalto.

Um toque na perna fez com que Túlio voltasse ao presente. Era Vargas, um companheiro de abandono: "Feliz Natal cara!" ouviu. Foi aí que lembrou-se da data. Não pôde evitar as lágrimas. Sozinho, chorou a vida enquanto pensava como poderia ser diferente. Num súbito, pensou em Deus. Cobriu o rosto com as mãos mostrando a vergonha e pensou: "Deus eu sei que o Senhor pode me ver aqui. Não sei se há perdão para um cara como eu, mas se há algo que ouso te pedir é pelas pessoas que hoje tomam decisões. Guarde-os das armadilhas que surgem como coisas boas, mas que acabam com o sentido do que temos de mais precioso que é a vida. Alerte-as que uma decisão pode mudar para sempre a existência..." Não conseguiu terminar.