A Missa de Natal do Padre Hshia Kan Yi Chen.
            Ambos, o Padre Hshia e o repórter Jean Pasqualini (este, filho de pai francês e mãe chinesa), estavam num campo de trabalho chinês, ao sul de Pequim. Seu trabalho consistia em enterrar os mortos e carregar esterco de porco, em cestos de 30K., cada vez. Isto desde o amanhecer até o por do sol.  
            Padre Hshia reconheceu em Jean um cristão e o convidou para rezarem em comum.
            “Se tu quiseres acabar na frente de um pelotão de fuzilamento, isto é problema teu. Eu, de minha parte, quero continuar vivo. Cala a boca, combinado?” Foi a resposta brusca de Jean.
            Padre Hshia era pequeno e magro. Os companheiros se perguntavam como era capaz de carregar aqueles cestos pesados com a vida de fome que levavam. Um deles chegou a comentar:
            “Quando Jang (o capitão da guarda) não está olhando, Deus mesmo desce do céu e carrega o esterco para ele”.
            Certo dia, Jean debilitado por subnutrição e desinteria, desmaiou em pleno campo. Pensou que ia morrer. Durante dias ficou em coma na enfermaria. Uma noite voltou a si. Padre Hshia estava ao lado de sua cama, abanado-lhe ar fresco e, às escondidas, lhe deu sopa. Comendo Jean sentiu o gosto de carne de rã, de verdura e arroz. Com cada colherada recuperava um pouco de força. Mais três vezes o Padre Hshia voltou às escondidas para lhe trazer uma refeição quente. Jean se recuperou e aí ficou sabendo como o Padre conseguiu tudo aquilo. Pedia aos companheiros que durante o intervalo do meio-dia colhessem verduras silvestres e caçassem rãs. O arroz ele roubou...
            Isto foi no verão de 1968. Chegou o inverno com muito frio; soprava o vento noroeste, que na China é de gelar até os ossos. Ambos trabalhavam numa plantação de arroz. Padre Hshia disse a Jean que iria até o fim da lavoura para descansar um pouquinho. Jean lhe disse:
            “não mais que 15 minutos”.
            Durante o tempo de espera quase morria de medo: cada uivo do vento lhe parecia o silvar do apito dos guardas.
            Finalmente alguma coisa em seu coração impeliu Jean a ver o que o Padre estava fazendo. O que ele viu lhe fez esquecer o capitão da guarda e todo o campo de concentração, pois, lá embaixo, junto do canal de irrigação, estava Hshia Kan Yi Chen em pé, no seu enxovalhado e rasgado uniforme de prisioneiro e rezava, completamente desligado do ambiente, a sua Missa de Natal, pois aquele era o dia 25 de dezembro.
            Um copinho de lata amassado era o seu cálice, de uvas guardadas há muito tempo ele espremera algo parecido com vinho e de trigo roubado à noite da cozinha da prisão ele fizera a hóstia. Ao seu lado uma fogueirinha de gravetos fazia as vezes das velas.
            Repentinamente Jean sentiu seus olhos se encherem de água e apertando os dentes para não chorar foi invadido por uma vontade enorme departilhar a fé daquele homenzinho  fraco e maltrapilho que celebrava às escondidas dos soldados. E Jean começou a responder as partes da missa, dialogando com o padre...
            -O Senhor esteja convosco.
            -Ele está no meio de nós.
            -Corações ao alto.
            -O nosso coração está em Deus...
            (ambos em lágrimas)
            -Demos graças ao Senhor nosso Deus.
            -É nosso dever e salvação.
            Passados alguns meses foram levados a prisões diferentes. Jean nunca mais viu ou soube notícias do Padre Hshia. Terminado o tempo da revolução Jean foi libertado pelos maoístas e foi viver com sua família em Paris...