PAPAI NOEL EXISTE

Papai Noel existe

Celia e Isabel eram duas irmãs muito unidas. Chegaram à adolescência sem lembranças maiores do pai. A mãe delas era Solange, uma mulher preocupada com a luta pela sobrevivência, lhes ensinara que a sobrevivência era a coisa mais importante do mundo, e de certa forma, colocara de lado os sentimentos mais profundos, talvez numa tentativa desesperada de mostrar as filhas como a realidade pode ser dura e cruel, se não for enfrentada com coragem e tenacidade.

Elas moravam numa velha casa, no pé do morro. Todo o dia faltava alguma coisa para comer, para vestir. Quando não era a falta de alimento ou agasalho, faltava energia elétrica, água, remédios. Viviam dos restos que encontravam no lixo.

Um dia era um pedaço generoso de pizza, que alguém deixava para trás, dentro da embalagem de papelão, outro dia era uma peça de roupa ainda nova, que ao ser lavada, ainda mostrava o quanto poderia ser aproveitada se posta em uso. Dias raros, de verdadeira festa, quando encontravam restos de shampoo, perfume, e maquiagem. Viviam a margem da vida, Solange, dependente química já há alguns meses, começava a mostrar os sinais do que era o vício. Certa vez, entregara a Celia para um dos traficantes em troca do recebimento de umas pequenas pedras. A experiência foi dolorosa para a garota que chorou muito enquanto era levada pelo rapaz. Ela nunca contou para a maninha o que tinha se passado com ela. Voltou de cara inchada, a irmã imaginava se era de tanto chorar, ou se era de tanta pancada. Preferia não tocar no assunto, elas conversavam pouco, pois precisavam trabalhar para se manter, e tinham muito medo de serem separadas bruscamente, pois o traficante se interessava agora por Isabel, uma vez que Celia já tinha dado seu tributo a ele e seus amigos. Era um desespero, quando as duas esbarravam com qualquer um deles perto de sua pequena casa.

Se frequentassem a escola com a devida assiduidade, pudessem conversar com alguém e pedir ajuda, mas não confiavam em ninguém, pois a vida que levavam era uma incerteza constante. O que lhes restava era uma esperança de dias melhores.

Dezembro chegou com seu esplendor de luzes e cores. Nas ruas todas enfeitadas e nas lojas repletas de mercadorias, podia-se imaginar o delírio de consumo espalhando-se por sobre o mundo na ocasião natalina. As irmãs espiavam de uma das janelas da pobre casa, todo aquele movimento e sorriam tristemente olhando uma para a outra, sem trocar palavra. Imaginavam as roupas que jamais vestiram os sapatos que jamais calçaram, e as comidas gostosas que não sabiam o gosto. O mais triste para elas, era a falta da família reunida. A mãe já estava quase ausente totalmente, entregue ao vício, e o pai? Logo que Isabel nasceu ele sumiu. Solange dizia que ele tinha morrido. E criara as meninas na mais extrema pobreza, aproveitando-se de suas principais carências para explorá-las sem piedade, fazendo que as meninas lhe providenciassem o próprio sustento.

Solange não gostou da novidade que Celia veio contar toda feliz, dizendo em alta voz ao chegar à casa que havia encontrado um trabalho num condomínio lá embaixo. Era para tomar conta de um menino de seis anos, Não ia ganhar muito, mas poderia ser muito bom. Isabel ficou feliz pela irmã e triste por si mesma, pois agora estaria quase só, para revirar o lixo.

No final da primeira quinzena de dezembro, o mesmo traficante que já tinha negociado a virgindade de Celia, entrou em contato com Solange, para negociar Isabel. A menina andava muito angustiada com o que poderia lhe acontecer e tomou uma decisão suicida, iria entregar toda a quadrilha que tinha usado sua irmã e na delação, não livraria nem mesmo a mãe. Foi à delegacia, assim que pode e para sua sorte encontrou uma delegada mulher que ouviu seus relatos e a encaminhou para um local seguro, providenciando para que o mesmo acontecesse com Celia.

Foram os dias mais horríveis de incerteza na vida das irmãs, mas por um milagre que às vezes acontece entre os festejos natalinos, ela pôde pela primeira vez, ter um verdadeiro natal. O traficante negociou com Solange, esta muito agitada, correu para se abastecer de pedras. Fumando e morrendo aos poucos na desgraça e desespero de seu vício, começou a passar mal, foi levada para um hospital e lá quando estava nas últimas declarou para uma enfermeira todos os horrores que tinha cometido naqueles anos.

Celia e Isabel encontraram finalmente seus pais, e puderam abraçá-los ao serem visitadas no abrigo onde foram colocadas. Precisavam passar por algumas formalidades até serem liberadas e poderem volt ar para casa no sul do país. Tinham sido roubadas por Solange e seu amante o Dinho, que logo ao voltar para o Rio tinha se metido num assalto, e após ter reagido com tiros no confronto com a polícia acabou morrendo, enquanto Solange ficava com as pequeninas para criar. Os documentos que ela usou durante todos esses anos, eram os documentos de suas duas filhas que tivera com o Dinho, e tinham morrido num incêndio de uma favela, quando moravam em São Paulo.

Num pedido quase absurdo, para uma adolescente, mas que foi atendido prontamente por seus pais, foi passear num shopping e Isabel pediu para tirar uma foto com Papai Noel, pois precisava acreditar que Papai Noel existe, uma vez que recebera um milagre tão grande, e não tinha tido a oportunidade de descobrir o que realmente significava o Natal, pois no ambiente em que crescera a figura do menino Jesus sempre passara despercebida. O pai e a mãe fizeram questão de juntarem-se as filhas e todos sorriam na foto tímida com o Papai Noel, que sorria também sem entender a grandiosidade daquele momento para aquela família.

Aradia Rhianon
Enviado por Aradia Rhianon em 16/12/2012
Código do texto: T4039112
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