UM CONTO DE NATAL
 

Eu sempre pensei em Natal como um tempo bom; um bem, perdão, generosidade, época agradável; uma época em que os homens e mulheres parecem abrir os corações deles/delas espontaneamente, e assim eu digo, Deus abençoe o Natal!
 
Charles Dickens


Luís chegou a casa ao fim da tarde. Tirou o sobretudo cinza escuro, gasto e puído, bem como o cachecol e pendurou-os no cabide junto da porta de entrada. Luísa olhou-o da cozinha e soltou um pequeno grito de surpresa.
- Que embrulhos são esses?
- São algumas compras que fiz, é véspera de Natal…
- Mas…onde arranjaste o dinheiro? - E foi tirando os pacotes de um dos sacos de plástico que Luís transportara. Havia três, de diferentes tamanhos, envoltos em papel festivo. Luísa abriu um, era uma camisola de gola alta azul escura, fofinha, pelo tamanho percebeu que era para ela. Olhou o marido, sem palavras… Depois abriu o segundo, um frasco de perfume, o seu preferido, aquele que há meses deixara de comprar logo que a empresa onde trabalhava falira e a deixara no desemprego. Olhou de novo para o marido. Ia a abrir o terceiro embrulho quando ele a deteve, apontando para uma pequena figura, o seu filho, que brincava com peças Lego sentado no sofá da sala.
- Esse é para o nosso filhote.
Ela deitou-lhe os braços ao pescoço e beijou-o, enternecida.
Depois entraram na sala e abraçaram o seu filho querido, dando-lhe pequenos beijos e mimos que o fizeram gargalhar, feliz. Ela pegou no embrulho e deu-lho. Ele abriu os olhos límpidos, percebendo logo que se tratava de uma prenda. Ajudaram-no a tirar o papel, surgindo  um caro telecomandado à luz artificial do candeeiro de teto.
O pai, através da linguagem gestual, colocou as pilhas, explicou-lhe como funcionava e pousou-o no chão, dando-lhe o comando. O petiz sorria, tendo pequenos sobressaltos quando o carro embatia em algum obstáculo. Batia as palmas e olhava o pai, agradecido, que lhe devolvia o sorriso, feliz por ver o filho feliz.
Entretanto, Luísa pegou nos outros dois sacos e levou-os para a cozinha, pois adivinhou produtos alimentares. Tirou um pequeno peru de um dos sacos e algumas caixas com doçarias e uma garrafa de bom vinho do outro.
Pousou tudo sobre a mesa, olhou para aquelas iguarias e depois, discretamente, postando-se na ombreira da entrada da sala, fez sinal ao marido, chamando-o discretamente.
- Olha lá, ainda não me disseste onde arranjaste dinheiro para comprar tudo isto.
Ele olhou para o chão, demorou a responder. A ponta do seu sapato gasto torneou a orla do tapete, como que procurando uma saída.
- Então?
- Vendi a minha aliança. Ou melhor, coloquei-a numa casa de penhores. Mas não vou ficar sem ela, garanto-te. Vou pagando juros e um dia, quando pudermos, vou lá buscá-la de novo.
- Luís… - Encostou o rosto ao peito dele, ocultando duas grossas lágrimas que lhe rolaram pela face.
- Bem vês, hoje é véspera de Natal e eu não suportaria que vocês ficassem prIvados de uma prenda nem de uma refeição de jeito…
Ficaram assim abraçados durante algum tempo, olhando o filho, que brincava, feliz, sobre o tapete da sala…


 
Reedição - 9/12/2011