Natal solitário.

Ele odiava o Natal, porque lhe lembrava que estava sozinho e que, no próximo ano, continuaria sozinho. Não sentia vontade de procurar a família, da qual há muito se distanciara por motivos que não tinha vontade de discutir com pessoa alguma. Um colega de trabalho lhe aconselhara a fazer terapia, mas ele preferia não fazer, pois sabia que não tinha coragem de remexer nas feridas do seu passado.

Passeou pelas ruas, sabendo que seria mais um Natal solitário na sua vida. Pessoas iam e vinham, esbaforidas, loucas para entrar nas lojas a tempo de fazer as compras para suas festas. O trânsito parecia enlouquecido e ele pensou se o Natal era apenas isso: gente correndo de um lado para o outro, fazendo dívidas e querendo receber presentes materiais. Lembrou de sua infância, quando gostava do Natal, até se desiludir completamente e concluir que não passava de uma festa vazia, onde apenas se comprava, bebia, comia e se falava num velho ridículo de roupa vermelha. "Papai Noel! De onde tiraram essa ideia idiota?"

Uma moça o interpelou:

-Moço, pode ajudar as crianças carentes a ter uma festa de Natal?

-Claro, tome. tirou algumas notas, dando à moça.

-Obrigada, Deus lhe abençoe.

-De nada.

Seguiu seu caminho, querendo entrar em seu apartamento, isolar-se daquela festa e não pensar nos tempos em que costumava comemorar o Natal com a família. Passou pelo porteiro do prédio, cumprimentando-o:

-Boa noite.

-Boa noite, senhor. Feliz Natal.

"Ele diz isso por educação. Será que me deseja mesmo um Feliz Natal?"

Seu apartamento era pequeno, simples e não tinha nenhuma decoração natalina. Que faria para não pensar no Natal solitário que passaria?Bem, não teria que trabalhar no dia seguinte. Pegou uma garrafa de uísque, começando a beber.

-Vamos beber para esquecer que hoje é Natal e eu não quero comemorar.

Há tempos, não ficava bêbado e a risada veio solta. Disse a si mesmo:

-Cá estou eu, sozinho, não é? Por que decorar a casa para o Natal, se não há com quem comemorar?

As lágrimas desceram pelo rosto enquanto lembrava de como fora sua infância e adolescência.

-É, pai, mãe, os senhores nunca me amaram de verdade. De que adianta uma mesa farta, presentes caros e uma casa com uma árvore imensa se não há amor entre os que celebram o Natal? Descobri que não havia amor em casa e que, se não há amor, não há Natal verdadeiro!

Bebeu mais e mais, mergulhando nas lembranças de como brigara com a família. Ele dissera aos pais:

-Já que o filho que vocês amavam morreu e eu não sou o que vocês queriam, vou lhes dar o presente de Natal que querem: vou livrá-los para sempre de ter que ver o filho que nunca foi o que vocês queriam! Sei que não me amam de verdade, que sempre fui uma decepção para vocês!

-Como pode dizer isso conosco? vociferou o pai.

-Estou cansado, pai! Vocês sempre me criticaram, implicaram comigo e colocaram defeito em tudo que eu fiz! Além disso, não aguento mais ver vocês falando o tempo todo a falta que sentem do meu irmão, como se fosse eu que tivesse que morrer e não ele! Bem, já que não fui eu que morri, vou fazer o que querem: irei embora!

Depois daquela última discussão com os pais, ele nunca mais tentara falar com eles e seguira sozinho a sua vida. Tivera namoradas, mas nunca conseguira estabelecer relacionamento sério com nenhuma. Sabia que a viuva do irmão brigara com os sogros e levara embora a neta, única lembrança do irmão morto.

-De que adianta esta vida? O que consegui? Sou um profissional de sucesso, é verdade, mas estou sozinho! Não tenho ninguém com quem dividir nada. Eu mergulhei no trabalho para provar a mim mesmo que não era um zero à esquerda como meus pais sempre me jogaram na cara, mas não adianta! Do que vale tanta conquista quando se está sozinho? E, no Natal, eu sempre me sinto mais sozinho do que durante o ano inteiro!

Decidiu que tomaria alguma coisa para dormir. Mesmo bêbado, conseguiu se arrastar ao banheiro, onde guardava umas pílulas para dormir. Pegou o vidro e o abriu.

-Apenas uma pilula não vai me fazer dormir. Vou tomar mais.

Tomou e, aos poucos, seu corpo foi perdendo a sensibilidade. Lembranças foram invadindo sua mente. Viu seu irmão, sempre sorridente, dizendo-lhe:

-Vamos, irmão, Papai Noel deve ter deixado nossos presentes debaixo da árvore!

Ele nunca tivera raiva do irmão, mas queria que os pais lhe dessem um pouco mais de atenção. Mas o irmão ocupava todo o mundo deles, como se ele fosse inexistente.Seus pais o comparavam ao irmão, falando:

-Seu irmão é tão inteligente, sempre tira boas notas, mas você...

-Olha ele, tão bom no futebol! Você é tão desajeitado, tão perna-de-pau.

Fora ficando com raiva das comparações e do Natal. Os pais podiam lhe dar presentes caros e fazer comidas deliciosas, mas tudo lhe parecia artificial. Ele bem gostaria que os pais lhe dessem mais atenção em vez de presentes caros e foi entrando em conflito com eles.

Após a morte do irmão, os pais e ele se distanciaram mais até a briga definitiva, na qual ele desabafara todo seu ressentimento.

-Não foi culpa sua, irmão. As coisas são como são, não é?

Mergulhou num sono profundo, sentindo-se imensamente sozinho.

Acordou imensamente fraco, sem entender como fora parar numa cama. Abriu os olhos e viu o que nunca esperara ver: seus pais. Ambos tinham os olhos vermelhos. Teriam chorado? A mãe se inclinou, segurando sua mão:

-Meu filho, como você foi fazer isso? Como pôde ter misturado calmantes com bebida alcoólica! Se não tivéssemos chegado a tempo, você não teria escapado!

-Nós quisemos procurá-lo este Natal, pedir que o passasse conosco. Sabe, não faz sentido passar o Natal sozinho. A casa está tão vazia sem seu irmão e você.completou o pai.

-Sei que erramos como pais e queremos nos reconciliar com você.

A única coisa que ele conseguiu fazer foi chorar. A mãe lhe enxugou os olhos com carinho.

-Natal é tempo de renovação. Vamos nos renovar e voltar a ser uma família de verdade, meu filho? pediu o pai.

Dando um sorriso fraco, ele balançou afirmativamente a cabeça.