Conto de Natal

O brilho da hipocrisia refulgia nos sorrisos das pessoas, nas luzes de Natal envolvendo cada prédio da Cidade Azeda como galhos de hera e nas expressões de cada gorducho, rosado e risonho Papai Noel, que pareciam observar tudo com ares de ironia.

Distante da atmosfera festiva, bebia com Scarbô nalgum bar imundo.

"Não compreendo vocês, crias de Deus", disse Scarbô. "Se desprezam o ano todo para depois entupirem cada palmo dessa cidade de luzes e fingirem que se amam em nome do Cristo... como se o Cristo se importasse com vocês."

"Pela primeira vez na vida sou obrigado a concordar com você, diabinho", disse eu. Era uma noite quente e límpida de verão, e a Lua e as estrelas brilhavam mais que qualquer artificial pisca-pisca. Não pude evitar contemplar o céu e pensar.

"Sei em que pensas", falou o demônio, desdenhoso. "Você preferia estar passando seu Natal numa alegre e quente casinha, com aquela sua namoradinha que você mandou para arder no Inferno há tanto tempo e que ainda volta do túmulo para te assombrar, ou com aquela outra que preferiu o oceano a você. Mas pensando pelo lado positivo da coisa, mais vale passar o Natal com o diabo do que sozinho, não?"

"Mais uma vez, concedo-lhe."

"Então venha cá, e brindemos. Sou teu amigo, afinal de contas."

"Brindaremos a quê?"

"À saúde de Velnias, que espero que esmague a Terra com seu punho de obsidiana ainda no ano que virá. E isto é para o Cristo" – e aqui ele subiu à mesa, arreou as calças bufantes e expeliu um flato. Os anos passariam, mas não a crassa e blasfema irreverência de Scarbô.

Brindamos, nossas taças emitindo um leve tilintar. Realmente, a perspectiva de a Terra ser esmagada por um punho de obsidiana não me parecia nada má.

Espero que Velnias se apresse.

Galaktion Eshmakishvili
Enviado por Galaktion Eshmakishvili em 22/12/2014
Reeditado em 27/10/2018
Código do texto: T5077556
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