O silêncio de uma noite feliz

Na trilha estreita eles nem viam mais a caravana. Se distanciaram muito. José não queria que Maria sofresse então ficou para trás, os seus companheiros de Nazaré não os esperaram. A cumplicidade dos dois era algo inacreditável. Ambos viam o sofrimento um do outro e escondiam o sua própria dor para que o outro não sofresse mais ainda.

O homem via a mulher sofrer pelo fim da gravidez, via os pés inchados, o ventre pesado, mas ela sempre o confortava com um sorriso. E ela via no esposo a paciência, o via limpando o suor do cansaço mas ele também a tranquilizava com um sorriso.

Assim eles foram caminhando, um mendigo na estrada lhes pediu dinheiro. José olhou para Maria que fazia sim com a cabeça e ele lhe deu um pouco, do pouco que tinha. Mas a frente, Maria deu um pedaço de pão a um cão sarneto que nos olhos mostrava toda dor do abandono.

A noite estava chegando e do alto do morro já viam as luzes de Belém. A cidade parecia estar em festa. De certa forma era uma festa, todos os parentes se reencontrando. Tios conhecendo sobrinhos, avôs seus netos... Vindos de toda parte para o recenseamento as famílias se encontravam, se conheciam... Então era barulho, bebida, gritos... E aquela felicidade falsa trazida com tudo isso.

José estava cansado, Maria estava começando a sentir as dores do parte. Eles não queriam entrar naquela bagunça, naquela gritaria. Queriam apenas um canto silencioso para descansar da longa viagem.

Chegando na cidade, era gente bêbada, brigas, era gritos, era festa, crianças correndo, vendedores pelas ruas, feira cheia, casas lotadas... E assim os seres humanos os excluíam. Maria se lembrou do pequeno cão na beira da estrada, abandonado, jogado de lado, ... E compreendeu a dor do animal. José lembrou-se do mendigo idoso e solitário e percebeu como ele se sentia. Ambos agora se sentiam como o cão e o mendigo a cada não que recebiam, a cada porta batida em suas caras. E estavam perdidos em meio a multidão buscando apenas um lugar sossegado.

As pessoas não estavam preocupadas com um casal, não ligavam para uma mulher prestes a dar a luz. Não, eles não queriam saber disso. Queriam apenas a festa. Comemorar, dançar, discutir, ver apenas os seus... Os outros... Ah! Os outros não importavam.

E em meio a tanta rejeição, uma alma boa lhes ofereceu aquele estábulo. Maria deu graças a Deus, pois as dores estavam cada vez mais fortes. Mesmo sabendo que sua criança era divina, ela era humana e almejava pelo sossego e a tranquilidade de um lugar para dar a luz ao seu amado Filho.

A estrela resplandeceu no céu, e o casal caminhou rumo ao estábulo. Ninguém os entenderia, mas estavam felizes, pois ali longe da falsa alegria da festa, estavam no silêncio. Os animas os compreendiam mais que os humanos, pois eles também queriam apenas o sossego.

Entre meio a eles, nasceu o Salvador. O menino veio no silêncio desejado por Maria, almejado por José. E a cidade continuava em festa ignorando aqueles três, mas enquanto isso Deus dava a Sagrada Família o que eles mais queriam... A paz!