Tristes Lágrimas de Amor

Mais uma noite plácida, triste e solitária; as estrelas resplandeciam intensamente no céu; e eu, banhado pela luz da pálida Lua, estava num cemitério, a beber vinho.

Lágrimas misturaram-se ao vinho quando me recordei de minha amada; (inda me lembro de quando ela partiu: enfebrecida gravemente, morreu diante de meus olhos tétricos; acho até que naquele dia, houve um luto celestial; de tanto que chovia, parecia que os anjos choravam preludiando a ida dela ao paraíso...). Coloquei meu sobretudo ao chão e fui até o túmulo dela: havia uma miríade de flores mortas envolta da escritura "Alice Kristine Shelley 1892-1909". Já fizera um ano, um ano que eu me sentia louco como Hamlet, e triste como Dorian Gray, quando perdeu Sibyl Vane...

Lembrei-me então dela, deveras bela, tocando ao piano "Für Elise" de Ludwig Van Beethoven. "Ah, Era tão sublime! Daria tudo para ouvi-la novamente... Até a minha alma!" pensei.

Meu coração assaz entristecido plangeu incessantemente pela falta de Alice. A inefável melodia do silêncio ecoava bela e lugubremente, até que o relógio da gótica catedral em frente ao cemitério marcou meia-noite. Naquele momento, ventos frios começaram a soprar fortemente, transformando-se em uma pequena ventania, o que fez com que meu sobretudo fosse levado para longe... fui atrás dele, amaldiçoando o vento...

Após um tempo, o vento suavizou-se, e o sobretudo parou defronte da casa em que Alice morava, e que ficara abandonada após sua morte. Permaneci silente, mais triste que antes, a observar; senti-me sufocado; o vento frio e amargo congelara todas as lágrimas caídas por amor que se eternizavam em meu coração...

De repente, soou uma música terníssima e repleta de melancolia, que acariciava meus ouvidos e afagava minha alma lutuosa. Vinha da casa de Alice Kristine. Quase descortinei um sorriso em minha face lacrimosa. "É 'Für Elise'! Como? Não, não pode ser! É impossível! Será um frenesi?!" pensei comigo. O som cessou após alguns segundos e a porta lentamente se abriu: Era Alice! Continuava tão pálida, tão lânguida, tão bela! As brisas balouçando sutilmente os seus longos cabelos negros e anelados intensificavam sua beleza. Fui imediatamente abraçá-la e disse:

— Querida, não sabes como senti saudades de ti!

— Sei sim - disse ela com uma voz doce, porém sombria - e não gostei nada de te ver lúgubre, a verter lágrimas ardentes por mim. Não aprendeste nada lendo Shakespeare? "A imagem da morte é como um espelho que nos ensina ser a vida apenas um sopro passageiro." Deverias viver e não apenas existir. Tua lástima está sendo a minha lástima!

— Mas... mas, então jazes deveras morta? - indaguei, confuso. E ela respondeu:

—Apenas o meu corpo jaz morto. Minha alma perdura viva. O que tu vês quando olhas para mim ou sentes quando me tocas é apenas um reflexo de tempos sepultos doutrora que permanecem na tua memória... Querido, peço-te apenas uma coisa: Ama! Deves amar novamente. É impossível contar as lágrimas de uma vida sem amor, pois são infinitas como as estrelas.

— Mas, Alice, amo-te. É justamente por amor que pranteio. E se queres dizer que devo amar outra, esquece! Amar-te-ei eternamente, mesmo que isto me faça sofrer! - respondi.

— Tudo bem, decerto que inda és demasiado obstinado. Teu amor é uma rosa: lindo, porém espinhoso. Toma cuidado! - respondeu ela com um sorriso o mais doce possível.

Então, enxugando meu rosto macilento, eu falei:

— Meu amor, dize-me, pela Lua, inspiração dos poetas; pelas flores fúnebres, que mesmo fenecidas são um deleite para os nossos olhos; por Deus - se é que Ele existe - e todas as Suas criações: verei teus nigérrimos olhos outra vez?

— Quiçá... - respondeu, absorta em minha tristeza. Então, beijou-me, delicada como uma brisa primaveril. Senti pela última vez aqueles lábios mádidos e gélidos...

Após aquele momento tão fugaz e tão longo, acordei sobre o féretro dela, sem saber se aquilo de fato acontecera. Percebi, logo, que meu sobretudo não estava comigo. Fui até à casa de Alice, e lá estava meu casaco, jogado ao chão, com uma rosa negra sobre...

Inda não sei se foi apenas um sonho dentro dum sonho. Mas, sendo devaneio ou não, não aprazeria Alice a contemplação de minha melancolia. E também, não quero terminar como Werther, que incapaz de evitar o amor impossível de se realizar que sentia por Carlota, foi possuído pelo desespero e suicidou-se... A partir desse dia, nunca mais derramei uma lágrima sequer por ela, apesar de jamais a ter esquecido.

Renan Caíque
Enviado por Renan Caíque em 20/02/2012
Reeditado em 06/06/2014
Código do texto: T3509246
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