Ultimas palavras - Editado

Liah olhava através da janela de seu quarto com um olhar perdido e distante, ainda não acreditava que seu único amor havia se perdido para sempre. Seus olhos negros como a noite se acentuavam ainda mais em seu rosto pálido e marcado pelas lágrimas; grandes e arroxeadas olheiras se formavam em um semblante até pouco tempo limpo, sereno e sadio. Seus cabelos castanhos claros, sempre tão penteados e harmoniosos, hoje estavam completamente desarrumados. Ainda usava a roupa de ontem, a mesma que, olhando em seu espelho, feliz, havia perguntado ao seu marido se estava bonita, ele a olhou e disse que ela brilhava como o sol. Agora se sentia na mais densa e negra escuridão.

Fechou os olhos e tentou lembrar-se quais haviam sido as ultimas palavras dele, não conseguiu, fez um esforço, vasculhou suas doloridas lembranças das ultimas vinte horas; lembrou-se de saírem de casa, sorrindo de uma brincadeira que ele fizera; então resolveram ir a pé ao invés de usarem o carro como sempre faziam em seus passeios; andaram tranquilamente pelas monótonas ruas e avenidas de sua cidade e entraram em seu restaurante favorito; comeram conversando sobre a casa, os reparos necessários para o inverno; tiveram uma pequena desavença sobre a sobremesa. Voltaram para casa de mãos dadas, planejando como seria quando tivessem um bebe, como mudariam o escritório não mais utilizado dele em um lindo quartinho para um querido filho planejado para o ano vindouro.

As cenas que se passaram depois estavam borradas na mente de Liah, lembrava-se de seu marido caindo no chão sem razão aparente, ela brava, pensando se tratar de mais uma de suas muitas brincadeiras. Mas não era uma brincadeira, ele não se mexia, não respirava, então começou a preocupar-se, parou um carro que passava e pediu ajuda ,quando chegaram ao hospital, depois de algum tempo e de muita correria, um médico traria as palavras que arrasariam Liah para sempre: “sinto muito, fizemos tudo o que nos foi possível, mas ele já chegou morto, infarto fulminante”.

Abriu os olhos, sua cabeça latejava, seu coração parecia que iria explodir, batia violentamente desde a notícia da morte, já havia tomado um calmante que não fizera efeito, só a tinha feito esquecer quais foram as ultimas palavras do grande amor de sua vida. Uma batida na porta a desperta de seus devaneios, era sua mãe, tentando parecer forte, mas traindo uma fisionomia de extrema dor, pelo genro tão prematuramente perdido, mas muito mais pela filha, tão doce e meiga, do tipo que só ama uma vez na vida.

Disse que era hora de irem para o enterro, que precisava ser forte e dar um ultimo adeus. Liah não queria ser forte, estava cansada, já sentia a falta dele. O que faria agora? Como sobreviveria? O amor que nutria pelo marido era o alimento de sua alma. Agora sua alma definharia de fome.

Levantou-se da cama meio anestesiada, o calmante parecia estar começando a fazer efeito, mas antes de ir ao enterro, precisava lembrar-se quais haviam sido suas ultimas palavras. Não conseguiu se lembrar. Respirou fundo e decidiu que já que não se lembrava, inventaria. Sua memória voou de novo para aquele instante antes do infarto, imaginou-se olhando para ele e dizendo: “Eu amo você e aconteça o que for sempre vou te amar”, e ele olhava para ela com um largo sorriso e dizia: “Te amarei onde eu estiver e estarei para sempre em seu coração”. Voltando para a realidade, Liah sorriu palidamente pela primeira vez em vinte horas, encarou a mãe e disse: “vamos ao ultimo adeus!”.

Priscila Pereira
Enviado por Priscila Pereira em 06/06/2014
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