ANNA

Meu nome é Anna. Minha mãe me deu esse nome sem nenhuma razão aparente, gostaria de poder dizer que ele tem algum significado especial, mas Anna quer dizer apenas Anna mesmo. Eu tenho uma irmã mais velha, meus pais se separaram, minha mãe saiu de casa e a vida ficou um pouco complicada vivendo com meu pai e minha irmã, depois até ela saiu de casa.

Eu sempre tive tudo que meu pai considerava necessário: uma boa casa, uma boa educação, boas roupas, comida decente. Mas a vida não era nenhuma maravilha e talvez nem tenha sido culpa dele, talvez a culpa tenha sido minha mesmo por não ter conseguido ser uma pessoa feliz como as pessoas devem ser.

Quando minha mãe saiu de casa eu tinha menos que oito anos, cheguei em casa e todas as roupas dela tinham sumido. Acho que foi em um fim de semana, já nem lembro mais. Eu sentia falta dela e não sabia onde ela poderia ter ido então, eu imaginei que se eu sangrasse até morrer a saudade iria embora e tudo ficaria melhor. Nunca soube se isso melhoraria alguma coisa porque nunca consegui criar coragem pra fazer isso. Mas eu sempre soube que no mínimo eu devia ser uma aberração pra pensar em morte com essa idade.

Hoje não sou mais uma criança, mas ainda penso em como seria se surgisse alguma doença sem cura ou simplesmente num acidente de carro. O que a morte traria para mim? É como diz o filme “A filosofia de vida de Marla é que ela pode morrer a qualquer momento. A tragédia, ela dizia, é que não morria”. Eu parei de me imaginar suicida quando eu conheci a parte alcoólica da vida e pensei que se bebesse o bastante, talvez aquela doença surgisse e que talvez eu não pudesse ser curada.

A questão talvez veja mais complicada que uma simples depressãozinha ou uma vontade estranha de cometer suicídio. É difícil explicar, mas eu simplesmente não gosto de viver, não consigo sentir nada por essa benção que é a vida. Não gosto do tipo de gente que fica perto de mim todos os dias, não gosto de como as coisas acontecem no mundo, não gosto de como me olham torto, não gosto dessa vida ordinária que todos levam. Talvez seja apenas por isso que eu gosto de tatuagens e piercings, a dor é a única coisa que me faz sentir viva e aquela história de que elas têm algum significado seja apenas papo furado.

Eu imagino meu futuro como mãe com uma família e um emprego na área que eu fiz faculdade e nada disso me agrada completamente, porque é só mais um futuro ordinário no mundo. Eu ainda suplico por aquela doença sem cura. A vida nessa mundo é uma doença sem cura. É complicado não sentir nada em um momento da história em que tudo é tão intenso, é triste e irritante ao mesmo tempo. Não importa que atitudes sejam tomadas, nada muda. Nada nunca muda, o mundo é apenas um lugar vazio pra mim. Eu sou um lugar vazio pra mim. Um vazio fundo e cinza. Porque eu não me sinto viva pra ser branco e nem estou morta pra ser preto, eu apenas existo.