A Máscara de Escuridão

Eu estava sentada sobre a cama em meu quarto de paredes brancas e cortinas púrpura quando meu reflexo andou sozinho, aproximando-se da borda do espelho e dizendo, com uma voz mais autoritária do que a minha costumava ser:

- Vamos! Levante-se e vista sua máscara. O baile já vai começar!

- Não quero ir! - resmunguei, exausta, observando a máscara negra com detalhes prateados que se materializara em minha penteadeira. - Não quero mais ser aquela pessoa.

- Você acha que tem escolha? - indagou meu reflexo com uma risada maléfica e debochada. - Acha que pode abandonar o papel agora que a peça já começou?

Encarei aqueles olhos verdes, que por algum motivo pareciam mais amedrontadores do que deveriam ser. Meu sangue congelou quando concluí que nunca vi meus verdadeiros olhos, apenas os do reflexo.

- Por que não poderia? - devolvi a pergunta, mantendo elevado o nível de sarcasmo no ar. - Já mudei de máscara infinitas vezes, abandonando os acessórios dos quais enjoei sem qualquer aviso prévio. Por que desta vez seria diferente?

Num gesto aterrador, o reflexo pôs as mãos para fora do espelho e tomou para si a máscara que jazia na penteadeira, erguendo-a na altura dos olhos. Seus olhos. Meus olhos. Nossos olhos.

- Não compare as máscaras coloridas e ingênuas que se alteram cada vez que uma nova moda surge com a máscara de escuridão que ousou provar anos atrás. Escuridão não é um traço de personalidade que se altere conforme a conveniência e oportunidade. Uma vez que vestiu a máscara, ela sempre voltará a aparecer, e você não vai resistir a vesti-la.

Encarei meu reflexo com deboche e em seguida voltei os olhos para o criado-mudo, de onde imediatamente surgiu uma máscara branca com detalhes dourados. Peguei a máscara e coloquei-a sobre o rosto, ficando, ao menos por alguns instantes, diferente do reflexo que ainda segurava a máscara negra.

- Viu só? - desafiei - Agora posso esquecer todas as manipulações e escolhas duvidosas que a máscara de escuridão me levou a fazer e usar outra vez a máscara de bondade e ingenuidade. Não preciso ir ao baile. Posso ir para qualquer outro lugar e ser essa nova pessoa com a máscara branca.

- É mesmo?! - o reflexo respondeu e minhas mãos ficaram trêmulas quando percebi que ele agora largara a máscara negra e usava a mesma máscara branca que eu. Com uma diferença: cortando o orifício reservado para o olho esquerdo, havia uma fina linha negra vertical.

Preocupada, tirei a máscara que vestia e me enchi de horror ao constatar que nela havia a mesma linha negra que vira no espelho,

- Vista-se! - insistiu o reflexo, jogando-me a máscara que vestia, a qual agora já se encontrava completamente negra. - Talvez você nunca descubra quem realmente é, talvez nunca tenha coragem de usar seu verdadeiro rosto, mas certamente já descobriu quem não pode ser. - assim que ele terminou de falar, a máscara em minhas mãos escureceu até adquirir um tom vermelho-sangue e então desmanchar-se sobre meu colo num líquido viscoso, fazendo parecer que eu acabara de tirar uma vida.

Levantei-me, ainda coberta de vermelho, vesti a máscara negra, coloquei meu melhor vestido gótico e fui ao baile.

Aquilo não era quem eu realmente sou, mas, há essa altura, era quem eu não podia mais deixar de ser. Embebida pela escuridão, é quem gosto demais de ser para fingir que posso voltar a ser inocente.

E dancei a noite inteira, valsando maligna e deslumbrante enquanto nenhum dos ingênuos presentes notou o rastro de sangue que deixei pelo salão.