Precipitação do fim

Desespero alarmante. Coragem resignada. Aflição impulsiva. Desfiguração apaixonada.

Deram um tiro na nuca. Deram um tiro na boca. Deram um tiro no pé. Era tempo de morrer. E ele não morria.

Levantou uma bandeira vermelha. Luzes apagadas. Abraçou o seu quite socorro: um sino enorme, dois violoncelos, um terno num designer drácula, flores, uma vela de sete dias.

Ajeitou-se numa caixa de madeira, delineando um projeto que daria a morte a si próprio.

Um homem-bomba?!

Os noticiários falaram de um brutal assassinato a esperança. A luz que se via no fim da cratera se apagou!...

Uma tentativa frustrada de asfixiamento. Um quase afogamento. A brutalidade contra si mesmo. Foi quando o raciocínio se tornou estúpido. “Cortaram os pulsos!” “Esmurraram o espelho!”...

Uma desilusão de vida. Passos desencontrados. Olhares atravessados. Amores abortados. Uma possível saída. E uma voz parecia gritar:

“A sua missão acabou. Desista! Acabe com isso de uma vez!”

Sofrer sozinho parecia ser insuportável, mas o sol nascia e mostrava que a dor poderia ficar ainda mais intensa. Ele não ia bem... E suportava-se com relutância.

Mais uma frustração. Foi quando saiu seu último poema. Em seguida um grito abafado no planetário. O movimento do sistema solar rodou num temporal.

A adrenalina virou cocaína. Quando pensou em cruzar na primeira esquina... quis chorar, a lágrima se transformou em álcool. Amargou os lábios. Um sangramento sucumbiu o seu corpo.

Num instante estratégico, pensou nos últimos versos. Chegando a casa, se fechou numa cela. Voltou para o bar. Um garçom ouviu sua lamúria bêbada. A auto-piedade estrangulou seu fígado. Foi quando ele apertou com um ódio incoerente um copo com uísque, chegando a trincar o vidro.

Na cama, observou as fotografias da filha, da mulher e da mãe, carinho e encantamento nos olhos, como quem observa as três-marias. Sentiu rotações e translações dentro da sua memória. Trafegou por muito tempo em avenidas desesperançadas. Analisava edifícios, o seu olhar tinha um tom encarniçado. A antiga luz, que seus olhos claros irradiavam, virou fogo e ninguém notou.

Um ataque epilético. A insurreição sobre sua existência. Teve sede. Teve febre. Teve fome. Agonizou por longos dias, tendo a solidão como única companheira. Ouviram um gemido grave.

A dama da noite vestida de preto. A marcha fúnebre. Os urubus fingiam lamentar no seu túmulo. “Era um bom homem”.

Ninguém nunca entenderá de fato o suicida. A carta de despedida é como lançar um “incêndio” nos vivos, ou uma mera vaidade de quem parte. E o silêncio é uma angústia em quem fica.

O que matou o suicida? Quem matou o suicida? O suicida queria mesmo este fim?

A putrefação da carne. E a alma? A última respiração se atirou raivosamente pelas narinas, deixando escapar um gás carbônico sombrio. O precipício do mistério. O sofrimento levantou pelas mãos dele uma dor standard. Ele abandonou o último anseio de vida e, num local macabro, executou a tragédia. Sangue... Sangue... Sangue... Cambaleante os seus passos últimos, queria experimentar o vôo do condor, acabou no chão. A sua última gota de água com sal se transformou em sangue. E o sangue virou água pura, a qual brotou duma tromba como fonte, cuja origem vinha do Templo do Elefante, numa ilha da Indonésia – o seu extermínio jorrou transparente! Na missa de sétimo dia leram seu primeiro e último poema.

Um homem se jogou do ápice de um penhasco. Uma bandeira preta a meio mastro. Fecharam o seu paletó sinistro. A precipitação de um fim. E ele tornou-se apenas mais um suicida.

Os noticiários falaram de um brutal assassinato a esperança. A luz que se via no fim da cratera se apagou!...

Luana Zenaide
Enviado por Luana Zenaide em 31/01/2024
Código do texto: T7988860
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