Lagoa do Araçá: Conto Feliz
 
"Conto, enquanto coaxo, porque estou feliz. Essa é a melodia harmoniosa do entardecer". Assim disse o seu Milton, um velho sapo da lagoa do Araçá*. Araçá, só no nome. Até mesmo os brejos já sumiram daquele lugar. Pequenos charcos escaparam entre os arranha-céus. Ainda assim, são lares felizes para muitos bichos pequenos.

Num certo dia, Milton resolveu reunir a passarada e nada poderia “dar zebra”?

- Zebra? Errado, disse Milton.

Foi quando Leninho, um pequeno pardal - muito esperto - teve uma grande ideia: a de convidar outros grandes amigos, nada convenientes para a ocasião: Jacaré Mané, a Jibóia Lela e um enorme calango**, bem verdinho, chamado Sião.  Eles eram legais, mas será que poderiam estragar a grande festa?

- Amigo, vamos fazer da nossa confraternização, o grande encontro dos animais urbanos, disse Leninho.
 
Foi quando Milton percebeu uma coisa sobre o que estava por vir e clamou.

- Oh, Deus! Como posso coaxar com tanta gente grande e faminta em minha volta?

Mas, fala sério, Jacaré Mané e Jibóia Lela, nem pensar! Seus amigos pássaros, também podem e devem participar da festança.
 
Depois de tantas discussões, os amigos indesejáveis de Leninho, enfim, não foram convidados. Dias e horas se passaram e mal podiam imaginar a repercussão da grande festa na lagoa. Eram sapos e rãs de todos os recantos do bairro. Lagartixas, periquitos, papagaios e muitos outros animais. Desconfiadas, as joaninhas, borboletas e outros insetos, também se animaram e preparam os seus trajes de gala.

Logo, Milton e Leninho perceberam que algo estranho estava para acontecer.

Chegara a ocasião tão especial e esperada por todos os convidados, a festa da Lagoa do Araçá. Milton estava nessa, numa boa. Só não respeitava as moscas e os mosquitos – um verdadeiro banquete –, que não precisaram ser convidados. Eram voadores de todas as categorias. Haviam aqueles que transmitiam doenças terríveis e prejudicavam o homem e os outros animais.

- Vamos Leninho, disse Milton. Tenha pressa, tudo está uma maravilha.

- Sim, vamos nessa, caro amigo.
 
Artimanhas e malícias pareciam descartadas e o inesperado aconteceu quando menos se esperava.
 
Milton, de olhos esbugalhados e de voz trêmula disse:

- Veja só amigo, já estou de pernas bambas. Numa festa de sapos, pássaros, lagartixas e calangos, o que estão fazendo aqui: Jacaré Mané e a Jibóia Lela.

- Verdade, amigo! Agora compreendo. Não poderiam estar aqui. Somos elos de uma cadeia alimentar e fazemos parte das suas refeições.

- Já sei, disse Leninho. Fala pro Sião, que também é um animal muito parecido com eles, que a festa foi adiada e a previsão do tempo é de muita chuva na região. 
 
Então, a bicharada da região puderam seguir os seus dias em paz.

A festa aconteceu na época de verão. De tardezinha e de forma bem saudável e tranquila.

Assim, os animais fazem parte de uma delicada cadeia alimentar.

Nada escapa a essa sina. Um depende do outro para sobreviver. Tudo depende do elo mais fraco. Aquele que pode ser o mais elementar de todos.

Na verdade, o que seu Milton queria, era se casar.

* A Lagoa do Araçá é a única lagoa natural, ainda presente no Recife.

** Calango: espécie de lagarto, assim chamado no Nordeste do Brasil.
 
(Imagem: Google Search)