A TIARA DA PRINCESA

Mariazinha era uma menina vaidosa. No alto dos seus oito anos, via na beleza a razão de seu viver. Comportava-se como uma pequena lady, embora seus pés não conseguissem tocar o chão quando sentada à mesa. Ela nunca corria, pulava corda, brincava de pique, ou rolava pelo chão como as outras crianças. Temia a areia e o barro como se fossem monstros de outro mundo. Para ela, macular a brancura do seu vestidinho de domingo era algo inimaginável.

Ela perdia a noção do tempo enquanto escovava seus cabelos cor de fogo. A mãe sempre insistia para que saíssem em passeio, mas ela replicava: só caminhava pelas ruas quando estava radiante. Segundo ela, quando o sol estava forte, o brilho aumentava ao vê-la passar, quando o céu estava cinzento, as nuvens choravam diante de sua beleza. As infinitas sardas em seu rosto eram como as estrelas a enfeitar o firmamento.

Dentre todos os adornos de Mariazinha, o que mais lhe agradava, a ponto de ser precioso, era uma tiara de pedrinhas coloridas, igualzinha à da moça da televisão. Quando estava com o arco na cabeça, ela se sentia uma princesa.

A menina sempre desfilava sua beleza no caminho até a escola. Certo dia, ela se deparou com um sapo grande e gordo sentado numa pedra. O bicho tinha a pele tão verde como seus olhos. Ele usava um chapéu de palha e tocava um banjo enquanto coaxava e cantava:

“Mariazinha, menina mimada

De pele sardenta,toda esquisita

Quem sabe se largar a tiara

Não se emenda e fica bonita?”

A pequena ficou indignada com tamanha afronta! Ela estava enganada ou aquele sapo verruguento a tinha chamado de feia? Mariazinha apertou o passo fazendo toc-toc-toc com seu sapato novinho.

No dia seguinte, ela já tinha se esquecido da existência do horroroso cantor, mas ao passar pela sombra da jabuticabeira, lá estava o danado sentado na pedra a dedilhar as cordas do instrumento musical. Ao vê-la, o bicho começou a entoar os irritantes versos.

“Mariazinha, menina mimada

De pele sardenta,toda esquisita

Quem sabe se largar a tiara

Não se emenda e fica bonita?”

A garota bufava de raiva. Ela olhou para o atrevido e disse: “Veja lá se sou eu que tenho o corpo coberto de verrugas!” O sapo nada respondeu, continuou a coaxar e sorrir. A indiferença do animal a deixou mais irritada ainda, ela não estava acostumada a tal tratamento.

Dia após dia eles se encontravam, e em todas as ocasiões o sapo insistia na musiquinha. A menina passava pela pedra tapando os ouvidos e repetindo um “lá-lá-lá-lá-lá”, desejando que seus monossílabos fizessem o cantor desaparecer para sempre.

Até então, ela gostava de se exibir na escola, mas com o surgimento de tamanha chateação durante o trajeto, passou a apreciar mais os finais de semana. Em certo domingo, ela estava especialmente animada. Colocaria seu vestido florido mais bonito, capricharia no perfume e enfeitaria seus cabelos com a inestimável tiara, afinal um evento tão especial como aquele não acontecia todo dia.

A moça da televisão faria um comercial em seu bairro, bem perto da pracinha. Mariazinha não poderia perder a oportunidade de ver uma princesa como aquela. Então lá se foi ela de mãos dadas com a mãe.

A menina ficou encantada com a beleza da jovem, ela era mais linda do que imaginava, e ainda por cima usava uma arco igualzinho ao dela na cabeça. Quando tudo terminou, ela estava tão feliz que resolveu fazer a vontade da mãe e ficou um pouco na pracinha. Mas não corria como as outras crianças, permaneceu sentada num banco, comportada como de costume, só observando as estripulias da molecada.

De repente, percebeu uma movimentação anormal, a criançada corria numa direção. Ao virar a cabeça para acompanhar a agitação, seus olhos se acenderam. A moça da televisão estava ali na pracinha, distribuindo afagos e brindes. Um menino que empurrava a irmãzinha no balanço, pleno de entusiasmo, empregou mais força do que deveria no movimento e correu. A garotinha voou pelo ligeiro declive que margeava o parque. Os adultos nada viram, pois estavam ocupados controlando os ânimos das crianças.

Mariazinha se encontrava num dilema: descer pelo terreno barrento para ajudar a menina ou correr de encontro à princesa para conseguir uma lembrança? Então, de maneira surpreendente, ela correu pela praça, levantando muita poeira com isso.

Corajosamente, ela desceu pelo barranco e trouxe a pequenina. Seus joelhos e braços estavam ralados e ela chorava muito. De volta ao parque, o alvoroço havia terminado, a moça da televisão já tinha ido embora. Logo as mães vieram em auxílio, e a da Mariazinha se encheu de orgulho pela filha.

A menina experimentava um conflito de sentimentos, estava feliz por ter sido útil, mas ao mesmo tempo estava triste por não ter recebido um brinde da moça. E assim, mãe e filha foram para casa. Mariazinha estava de frente para o espelho, amigo inseparável, mas não demonstrava o ânimo habitual, seu pensamento estava na menina machucada, a mãe lhe dissera que a pequenina estava em um hospital por conta dos ferimentos.

Subitamente ela escuta um barulho na rua. Ao olhar pela janela percebe um carro estranho e corre para ver do que se trata. Quando a mãe abriu a porta, a menina quase desmaiou com o susto. Ali, parada, estava a moça da televisão, a princesa dos sonhos de Mariazinha. Ela soube do ocorrido durante sua passagem pelo bairro e veio conhecer a menina de alma tão nobre. A pequena Maria não conseguiu conter a emoção com a inesperada visita. Ela ganhou beijos e abraços, sorrisos e congratulações, e o mais incrível, a moça retirou da própria cabeça a tiara que lhe enfeitava os cabelos e a entregou para a menina.

Ainda sem acreditar no que acabara de acontecer, Mariazinha viu o carro desaparecer na esquina. Em suas mãos o arco de pedras cintilantes, mas ainda assim, algo a incomodava. Foi quando teve uma idéia, e pediu para que sua mãe a levasse de encontro a menininha machucada. Um sorriso brotava em seus lábios. Ele entrou sozinha no quarto de repouso e suavemente colocou a tiara que ganhara na cabeça da garotinha e saiu silenciosamente.

Nos pensamentos de Mariazinha flutuava a constatação de que, por conta da queda, a garotinha não havia apanhado a sua lembrança. Os versos do sapo também circulavam em sua mente, mais do que isso, finalmente ela se dava conta do que realmente ele queria dizer. Afinal, a verdadeira beleza está contida nas intenções e atitudes.

O sapo, de sorriso nos lábios e dedos nas cordas, cantarolava feliz ao ver Mariazinha correndo pelo quintal, de cabelos soltos e pés descalços. Não é que ela estava mais bonita mesmo, pensou...

Flávio de Souza
Enviado por Flávio de Souza em 28/04/2010
Reeditado em 28/04/2010
Código do texto: T2224868
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