Viagens de um adolescente

Eu quero mesmo é sumir. Não quero pra mim essa vidinha chata. Igual a todo mundo. Colocar uma mochila nas costas e desaparecer. Pegar o trem da morte. Ir até a Colômbia, sei lá. Quem sabe, me aventurar na mata. Chegar até as FARC´s e negociar a libertação de algum refém. Ou melhor, negociar a paz. Aparecer na tevê ao lado do Ivo Morales, do Hugo Chaves e da Dilma. Algo grandioso. Poderia ser de ônibus mesmo. Um lugar dentro do Brasil. Sempre tive vontade de conhecer a Bahia. Iria de rodoviária em rodoviária. Carona. Às vezes a pé pelas estradas. Passaria no Rio de Janeiro. Conhecer Copacabana. Barra. Quem sabe não encontro o Ronaldinho Gaúcho ou o Romário jogando bola na praia. Fico amigo dos caras e ai consigo a mina que eu quiser. Vou para as melhores baladas. Carrão. Iate. Modéstia à parte, jogo bem futebol. Sou novo. Quatorze anos. Idade certa para entrar numa peneira. Com indicação do Romário, que time não vai me querer? Vou logo para o Flamengo. E ai ninguém me segura. Seleção de juniores. Mais tarde artilheiro do campeonato Carioca, Brasileiro. Seleção. Logo a camisa dez. Hummm... Mais ai provavelmente vou ser vendido para Europa. Não quero morar lá. Europa não. Dizem que lá não tem feijão. A carne é feita de soja. Faz muito frio. Melhor mesmo seria virar hippie. Sem compromissos. Fazer artesanato e vender de cidade em cidade. Morar na praia. Numa barraca. Fazer uma porção de tatuagens. E descolar uma namorada bem descolada. Que aceite morar comigo numa comunidade alternativa onde possamos viver do que plantamos. Teremos uns sete ou oito filhos. Todos com nomes esquisitos. Usarei brincos, piercings e alargadores na boca, como os índios. Tai... Essa é uma outra boa idéia... Quem sabe ao invés de Farcs, não me junto a uma tribo indígena, como fez o Sting na década de 80. Amazônia. Na Amazônia poderia viver tranquilamente entre os tapuios. Com todo o meu conhecimento e algumas modernidades como Ipood, Lap-top, celular... Seria para eles uma espécie de mago, de curandeiro, sei lá! Teria tudo... As melhores comidas, a melhor maloca da tribo, as melhores mulheres... Hummm. Se bem que as índias não são lá muito bonitas em seu habitat natural. Estão sempre muito vermelhas, parecem sujas de terra... Não! Além do mais, a televisão já mostrou que não existem mais índios como antigamente, os índios de hoje usam roupas e tênis de marca. Já assistem tevê e, portanto, já conhecem computador, fax, essas coisas todas... Quem sabe posso ir para Minas Gerais. O Rafael foi visitar uns parentes o ano passado e disse que lá tem garotas bonitas e com um sotaque maravilhoso. É ouvir e se apaixonar. Poderia morar numa caverna em São Tomé das Letras. Ser poeta e vender minhas poesias nos bares, restaurantes, nas feiras hippies. Vez ou outra sairia da cidade para rodar o Brasil e o mundo vendendo e declamando meus poemas. Mais tarde publico um livro e fico famoso. Ganho o mundo. Vou fazer palestras pelos quatro cantos. E mais livros virão. Serei mais famoso que o Paulo Coelho e mais respeitado que aquele autor do “Memórias Póstumas de Brás Cubas”. Minha caverna em São Tomé das Letras vai virar ponto turístico. Centro Cultural. Museu. E então ganho o Nobel de Literatura e serei conhecido mundialmente. Terei a mina que eu quiser. Uma mansão em Beverly Hills... Não... Nos Estados Unidos costuma ter terremotos e outras catástrofes naturais. Melhor seria ficar pelo Brasil mesmo. Pra falar a verdade não tenho vontade sair do meu país. Se bem que no Hawaii seria bom. Surfe. Adoro esportes radicais. Acho que me daria bem competindo entre os melhores do mundo. Queimadão de praia. Com protetor solar no rosto e uma loirona do lado... Carregando a minha prancha feita sob medida pra nossa caminhonete toda equipada. Racks para carregar as pranchas. Teto solar para minha loira apreciar as praias e as ruas da cidade... Uma casa construída em cima das pedras. Teria uma marca de roupas de surfe com o meu nome. Abriria lojas no Brasil e na Austrália. Vez ou outra me divertiria com outras modalidades como pára-quedismo, Ultraleve... Até mesmo pilotar um hidroavião por ilhas paradisíacas. Quem sabe comprar uma ilha só pra mim... Não... Acho que um surfista não consegue tanto dinheiro assim... Para ter uma ilha terei que optar por ser um astro de cinema ou vocalista de uma banda de rock. Mesmo assim teria que ser americano ou inglês. Artistas brasileiros não conseguem comprar uma ilha. Tudo bem... Não preciso de uma ilha. Uma boa casa com piscina já está bom. Até que não seria nada mal ser um ator famoso. Teria a garota que quisesse; modelo, atriz, cantora de axé... É! Acho que é isso: ator... Curso de teatro é bem mais divertido que escola...

- EI MENINO! Concentre-se no estudo. Parece que está com a cabeça em outro lugar. Fica viajando ao invés de estudar! Amanhã é dia de prova. E se aparecer com nota vermelha de novo já sabe! Quantas vezes tenho que dizer que para ser alguém na vida é preciso estudar...

- Calma mãe. Eu estou estudando. Estava justamente pensando nisso... Em ser alguém na vida!

Marcelo Nocelli
Enviado por Marcelo Nocelli em 02/06/2011
Código do texto: T3009411
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