Os pequenos escritores.

Era uma vez... (é que devo começar como pedem as crianças. É mais bonito).

Matheus, tinha 10 anos e era o mais velho do grupo: Matheus, Raquel, de oito, Miguel, de seis, e Sophia, de sete anos. Mateus e Raquel eram irmãos e Miguel e Sophia primos entre si e dos outros dois.

Eram quase 6 horas da tarde e as crianças, após saírem da escola, iriam se encontrar na casa de Matheus e Raquel para brincarem e dormirem no acampamento montado pelo pai dos pequenos hospedeiros.

Encontrarem-se nas tardes e noites de sextas ou sábados era quase uma espécie de lei para essas crianças. Se isso não acontecia, eles poderiam até ficar doentes. Seus pais, querendo sempre a alegria de seus filhos, possibilitavam esses encontros, preparando acomodamento e lanches. Até porque, eles achavam saudável o apego entre os irmãos e primos. E realmente o era.

Mas, essa não é uma simples história de acampamento infantil. Ela é essa história, mas, acompanhada de algo extraordinário: uma fábrica de livros infantis. Querem saber o porquê de “Fábrica de livros infantis”? Vamos lá...

Para começar, essas 4 crianças, eram crianças especiais. Eram crianças que desde bem pequenininhas, mesmo quando ainda não tinham aprendido a ler, pegavam livros e ficavam folheando, deslumbradas e curiosas com aquela enorme quantidade de palavras. Eram crianças que eram incentivadas pelos seus pais a verem as belezas que um livro carrega.

Então, elas nem precisaram crescer muito para aprenderem a ler. Eram pequeninos bem esforçados e dedicados. Matheus, como era o mais velho e começou a ler bem cedo, ensinou sua irmã, Raquel. E sempre que eles encontravam com seus primos, Miguel e Sophia, tentavam passar o máximo do que sabiam para eles. Dessa forma, no anseio pelo deciframento das palavras, na vontade de passar o que sabiam, de dar ao outro o desejável, todos as quatro crianças aprenderam a ler e escrever.

Claro que, essas crianças não tinham completa noção da grandeza de seus desejos e atos. Elas praticamente não tinham consciência do quão diferentes e interessantes elas eram. Achavam-se apenas crianças normais ou, na maioria das vezes, nem achavam nada, apenas seguia o que lhes parecia agradável: o mundo imaginário da leitura, do desenho, da escrita e da brincadeira. Mas, claro, mais tarde saberiam de tudo isso e mais um pouco.

E, nessa tarde de sexta, os dois pequenos, Miguel e Sophia, voltaram da escola e, cada um em suas casas, iam ansiosos preparando as suas roupas, brinquedos e, claro, seus livros para levarem ao acampamento. Aliás, os livros aram as primeiras coisas a serem colocadas nas mochilas. Eles poderiam até esquecerem-se de seus brinquedos prediletos- tipo o ursinho de pelúcia de Sophia ou o robô de Miguel- mas nunca esqueciam-se de levar seus livros, cadernos e estojos. Esses eram os principais materiais a serem levados para compor a brincadeira.

Durante o caminho até a casa de Matheus e Raquel, os outros dois pequenos iam, apesar da ansiedade de chegar logo à casa de seus primos, contentes pela viagem de carro. Na estrada elas observam tudo: a paisagem que parecia correr para trás, o tempo, os carros amontoados no transito, os faróis que mudavam de cor lentamente, as pessoas andando nas causadas falando em seus celulares- esbarrando umas nas outras por causa da pressa-, os cachorros e gatos que perambulavam no meio da multidão em busca de carinho, abrigo e alimento. Elas viajavam na imaginação que toda aquela realidade lhes proporcionava. Eles viajavam na própria viagem de carro.

Chegando à casa dos tios, as crianças eram recebidas por seus primos com muita empolgação. Esqueciam-se até de seus pais devido à ansiedade pela brincadeira planejada. Mas, para não atrapalhar a brincadeira, eles paravam na metade da escada e voltavam até os adultos para que pudessem se despedir devidamente, com educação- pois era assim que eles eram educados. Educados para serem boas crianças.

Quando chegavam ao quarto, não queriam saber de mais nada a não ser entrar na enorme barraca- enorme, pois ocupava grande parte do quarto. Colocavam seus livros na mesinha que ficava no centro do local acolchoado e sentavam diante dela. Pegavam seus lanches, seus estojos, cadernos e logo começava assim, a falação. Era uma tremenda bagunça- até porque, eram apenas crianças, apesar de tudo. Mas, Matheus, como era o mais velho do grupo, e por isso, o mais consciente, tinha que impor a “ordem no barraco”. E conseguia, claro. Conseguia, pois todos estavam ali pelo mesmo objetivo: brincar de criar.

- Só uma pequena observação: a barraca era a mesma em todas as casas, pois essa era transferida de local a cada semana pelos pais das crianças.

A barraca era iluminada o suficiente para possibilitar uma boa leitura e diversão. Era forrada por pequenos colchonetes e cobertores e enfeitada com os brinquedos que os pequenos levavam para dentro dela. Os brinquedos estavam ali para lhes fazerem companhia e deixar o lugar com a carinha deles. Tinha até desenhos que eles mesmos faziam ou recortados de revistas, colados nas paredes da barraca, como se fossem obras de artes. Era muito bonito de se ver. Uma belezura.

Matheus, Raquel, Miguel e Sophia logo começavam a brincadeira tão esperada durante toda a semana. Eles pegavam seus cadernos e começavam a rabiscar. Colocavam ali, tudo o que achavam que deviam: palavras e desenhos que representavam o que imaginavam, sentiam, observavam e criavam ali mesmo, na hora. A imaginação e os vários talentos notáveis corriam soltos e juntos ao mesmo tempo. Era realmente uma explosão de talentos sendo colocados para fora. Sendo mostrados claramente e da maneira deles.

Como os menores não podiam usar aparelhos eletrônicos como ferramenta de brincadeira, como celulares e tablets, eles usavam apenas folhas para desenhar e cadernos. Só era permitido o uso de um aparelho eletrônico, moderadamente, ao Matheus, que era o responsável pelos outros menores. Ele era quem dava um toque mais sofisticado nas criações feitas pelo grupo e fazia o acabamento final.

Quando eram mais ou menos umas 10 horas da noite, eles adormeciam no meio da bagunça. Depois de muito ler, imaginar, desenhar, criar e inventar, eles eram vencidos pelo cansaço e sono. Dormiam tranquilamente para acordarem corados e saudáveis. E, claro, ansiosos para darem continuidade aos trabalhos.

Era exatamente assim que eles se imaginavam e até sentiam-se: verdadeiros trabalhadores. Brincavam de trabalhar com arte. Eram verdadeiros artistas mirins e quase não tinham ideia disso. Só brincavam e viviam a brincadeira como se fosse realidade, sem saber realmente e completamente que ela era.

Na manhã de sábado, mais precisamente 9 horas da manhã, eles eram acordados pelos pais de Matheus e Raquel, para irem fazer a higiene recomendada e depois descerem até a cozinha para tomarem o café da manhã. As carinhas de fome eram lindas... Comiam com o maior gosto e, claro, modestamente. Faziam aquela bagunça, sim, mas, natural, pois eram apenas crianças aprendendo a se virarem sozinhas.

Depois voltavam para o quarto e entravam novamente na barraca. Tinham que terminar algumas coisas, dar alguns retoques que foram impedidos pelo sono. E faziam isso tão entretidos que quando percebiam, já haviam terminado, cada um deles, os seus trabalhos. Um com a ajuda do outro, foram montando suas obras.

E as obras eram livros. Belos livros escritos e desenhados pelos quatro pequeninos. Eles ficavam tão felizes... Guardavam tudo. Sentiam-se donos de um tesouro. E realmente eram. Um tesouro cheio de informações colhidas do dia a dia e transformadas em artes. Imaginações fictícias extraordinárias, desenhos coloridos, uns reais e outros imaginados. Eram belos livros cheios de coisas de crianças, que muitas vezes, de forma inconsciente, pensavam melhor que muitos adultos.

Matheus cuidava de tirar fotos dos desenhos e de cada página dos livros- que eram folhas de cadernos coladas em folhas em branco- e deixar arquivado em seu tablet. Ele havia combinado com sua irmã e seus primos, de mandar as fotos para os autores que escrevem os livros que eles ganham de seus pais e pegam nas bibliotecas de suas escolas. Pediriam que seus pais enviassem as fotos e uma carta de cada um dos integrantes do pequeno grupo, para esses escritores. O objetivo dos pequeninos era fazer com que seus livros virassem livros de verdade, com tudo o que se tem direito. E fossem enviados para todas as escolas do mundo. Queriam que outras crianças lessem sobre o quanto era bom ler e escrever. Queriam passar para as outras crianças, principalmente as mais pobres, o quanto a imaginação era uma ferramenta importante para se crescer saudável. E um livro, um grande tesouro na vida de qualquer pessoa.

Quando entregaram esses livros aos pais, todos reunidos na mesma sala, eles ficaram espantados com o tamanho e a quantidade da obra criada pelos seus filhos. Livros diversos, que foram sendo acumulados desde o primeiro encontro no acampamento do pequenos escritores. Livros que representavam a vida e a imaginação criativa de seus filhos. Mas, o que mais espantou os adultos, foram os conteúdos encontrados dentro de cada livro... Era de uma dimensão que só uma criança é capaz. Chocados, feliz e orgulhosos, ficaram os pais dos pequenos.

É claro que, depois de alguns dias, eles mandaram partes das obras- depois de organizadas puramente, sem tirar o mais belo: a marca infantil- para pessoas que entendem profundamente de livros e que sabem como publicá-los.

Logo depois, receberam uma resposta de uma grande editora interessada em publicar a obra e outras pessoas interessadas em investir para que os pequenos escritores continuassem no mesmo ritmo natural de sempre e conseguissem construir mais tesouros.

Depois de mais algum tempo- não muito- os livros foram impressos e enviados para várias escolas e várias comunidades carentes. Crianças diversas, de todos os lugares, todas as cores, todos os tamanhos, de todos os jeitos possíveis, foram contempladas com esses livros. O desejo dos quatro criadores foi atendido. Suas obras eram tão ricas em tudo, que gerou riqueza para eles e muitas outras crianças do mundo. Até mesmo os adultos adoravam essas obras. Era praticamente impossível encontrar alguém que não gostasse. Quem não gostava era porque era louco e de nada sabia.

No fim, mesmo sem ser o fim, eles cresceram e se tornaram adultos sensíveis e inteligentes. Inteligentes o suficiente, porque mantinham sempre contato com muitas crianças para nunca deixarem de ser crianças. Eles mostravam suas primeiras obras para os novos pequenos. Ajudavam eles a criarem e desenvolverem suas próprias obras. Assim, todos conseguiam escrever mais e mais.

O amor pela leitura e escrita era tamanho, que os pequenos escritores- como são chamados até hoje por todos- montaram uma enorme fábrica de livros. Com um setor especial, que lembrava a barraca usada por eles na infância como palco de criação e desenvolvimento, como sendo o setor mais importante, pois esse setor é, a fábrica de livros infantis.

Hoje, os antigos pequenos escritores, são grandiosos escritores e escrevem sobre tudo. Escrevem livros infantis, livros para jovens e para adultos. Escrevem e vivem suas belas vidas normais, envoltos de pequenos gênios: as belas, sensíveis e criativas crianças.

Fim!

Quer dizer... Quase fim, pois agora é com vocês. Usem a imaginação, criancinhas!

Ah, e querem saber quem é o narrador? Sou eu mesma... A criança que sou.

Bruna Gonçalves- 07/05/2014.