Falo do cavalo

Minha cidade, de tão antiga, vive socada nas serras, e não tem rua plana. Tudo se resume a subidas e descidas. E o que é de plano, fica pras travessas e ruelas, por que se comunicam elas. As subidas mais íngremes, uma meia dúzia delas, ganharam nomes de ladeiras e, desprezando a nomenclatura formal que lhes atribui a Câmara Municipal, acabam ganhando a popularidade em torno de algum de seus moradores mais ilustres, de que, desta vez, nomeio três: Vinício, Brandão e Inácio Campos.

A do Inácio chega a ser estonteante, dado o seu elevado gradiente, que quase entorta a gente. A maior parte das pessoas, jovens até, a evita, e enquanto hesita, dá uma volta bem bonita. Só pra não perder o ´forgo´. A do Brandão, a mais central delas, na verdade é uma ladeira que se trifurca e nenhuma das alternativas chega a ser das mais convidativas, mesmo quando forçoso passar a caminho da matriz do Pilar. E a do Vinício fecha o tríduo, mas nem por isso dá refresco ao andejo indivíduo. Faz uma curva fechada e continua na subida desvairada.

Como as outras, do Brandão e do Inácio, já teve seu calçamento de pés-de-moleque, de tempos coloniais e tudo mais. Depois vieram o paralelepípedo e o asfalto, mas as camadas sucessivas em nada amenizaram as caminhadas nativas. Ao contrário tornaram-nas menos bucólicas ao sepultar o passado da Velha Serrana.

Não me apagaram contudo, da memória, aquele início de tarde, de 59 ou 60, que nem faz parte da história, mas de uma tarde comum, em que eu voltava da escola, descendo a ladeira do Brandão, pasta escolar à mão, quando me deparei com aquele cavalo em plena ereção. Não era miragem, nem sacanagem. Apenas o animal - selado, ao passeio o cabresto amarrado - exibia, em plena luz do dia, o seu dote animal, e natural.

Pros meus nove ou dez anos, sem tv, playboy, ou internet àquela época, a visão era inédita. E a sensação que tive foi de estar sozinho na rua. Sozinho eu, e o cavalo na sua. Não tive coragem de fixar meu olhar naquela oba cena, fi-lo furtivamente, mas quão intensamente.

Acho que cheguei a tremer, numa emoção introspectiva, quase sem me conter. Na minha inocência de indecência de menino do interior, já tinha sentido os frêmitos da pre-puberdade, mas nada que se

materializasse ali, tão à vontade. E o bicho, literalmente na ponta dos cascos, a demonstrar todo cavalar potencial.

A cada passada que eu descia a ladeira, mais me aproximava daquela visão verdadeira, intensa e inteira. Com nada, o animal, sem poder ver ou ao menos tocar o próprio e voluptuoso atributo, passou a flexioná-lo, compassadamente, elevando-o até a barriga como um drumstick, à medida que a extremidade, em forma de chapéu já fazia um volume de escarcéu.

Mas, sem brincadeira, também a mais longa ladeira, mesmo percorrida por inteira, tem sua porção derradeira. E do falo do cavalo que falo, cabe-me só lembrá-lo.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 19/04/2015
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