Finalmente o porquê

É ela novamente! É, é ela mesmo! Eu a reconheci, é claro. Assentada no mesmo lugar, no mesmo ônibus, no mesmo horário. Ela jamais me reconheceria. Me lembrei de tudo, então: Meu amigo duvidou que eu me sentasse do lado dela e puxasse papo. Só por que eu fiquei babando por ela alguns minutos, quando ela passava pela roleta, e ele percebeu. Droga! Mas foi difícil tirar os olhos daqueles olhos verdes, um pouco inocentes, um pouco maléficos, pierciengzinho na sobrancelha direita, uniforme de garota escolar. E o que era eu, 3 anos atrás? Um garoto escolar, também. Mas não se podia duvidar de mim.

Sentei-me ao lado da linda garotinha pálida, um ano mais velha que eu, e insisti em puxar papo. Ela estranhou, estranhou horrivelmente, até que tentei beijá-la com gigantesca ousadia e prepotência. Nem seu nome eu sabia, mas tentei, tamanha a onda de coragem me invadiu no momento. Ela se riu bastante, se levantou e disse que era sua parada. Peguei seu telefone, seu email. Não iria acabar ali. E ela saiu rindo pela noite escura afora. Meu amigo se impressionou, é como já disse; não duvide de mim, jamais.

E agora três anos depois, ela está descendo novamente na mesma parada, e mesmo depois de eu ter olhado fixamente em seus olhos ela não me reconheceu.

- Continua até hoje no mesmo ônibus, hein? Eu disse, em tom de relembrar a tentativa fracassada de beijo.

Ela olhou pra mim, surpresa novamente, rindo e avermelhando a pálida face. "O mesmo ônibus!", respondeu, cada vez mais vermelha. Me despedi com um gesto cortês, e ela se foi, rindo pela noite escura afora. Também sorri, por alguns momentos, e entendi finalmente o porquê de eu me sentir tão aconchegado nos ônibus urbanos. Sorri, pensei, gargalhei. E a meia-lua, lá fora, assentava-se calada e quieta sobre seu negro manto celeste...