Apenas um conto nipônico.

“Estou pronto para minha morte, a enfrento sem qualquer medo, mas ainda assim não a desejo” pensava o jovem de cabelos longos, sentado sobre uma pedra praticamente oculta pela campina que bailava belamente ao desejo do vento que assoprava fortemente. Nuvens negras aproximavam-se lentamente, e rugia os trovões, alarmando sua chegada. Observava o movimentar das folhas de uma arvore solitária e distante, os olhos rasgados e negros pareciam repletos de uma serenidade pouco vista nos jovens, como se não carregasse ilusões, sonhos utópicos no peito, mas ainda assim obtinha a perseverança e a bravura juvenil. A hakama escura – assim como o obi –, e o kimono amarelo lhe caiam muito bem, apesar de esconder seu corpo aparentemente frágil, esguio. O rosto de traços leves, e lábios filhos lhe davam a aparência de nada mais que dezesseis anos, as longas mechas das têmporas insistiam em movimentar-se de acordo com o vento, mas aquilo não parecia irritar seu imagem mais parecendo petrificada, sua alma sem qualquer agonia, seu mente limpa de pensamentos indesejáveis ou desejáveis, estava num estado pleno, em total sintonia consigo mesmo, algo que muitos talvez nunca conseguiriam nem com séculos de vida.

- Yoshimitsu!

Disse num tom austero, ainda que abafado, devido a sinfonia criada pela natureza, com os ventos fortes, o movimentar da campina e o rugir dos trovões, mas ainda assim o jovem Yoshimitsu, sentado na pedra, que tanto contemplava a dança da solitária arvore agora erguia levemente os olhos e em seguida levantou-se, fixando o olhar diante daquele que o chamara. O homem carregava os traços daqueles que tinham muita idade, mas, no entanto o vigor dos jovens em seu porte imponente. Os cabelos presos de maneira tradicional ao alto da cabeça, mas no entanto, o tempo já lhe tirava os cabelos, sendo que sua testa era larga. O bigode fino e longo, lhe davam ainda mais a imagem de respeito destinada aos fidalgos. Os olhos carregavam uma certa austeridade como suas palavras. Vestia um simples hakama num tom cinza bem claro, enquanto o kimono era branco, como seu nome, Munasai Koneishi. Koneishi nunca perdera qualquer batalha, fosse contra um oponente apenas, ou num campo de guerra, sempre trazendo consigo a vitória. Diziam ter como mestre e guardião Senso Tengu, o Tengu das guerra, aquele de decidia quem teria a vitória. Talvez por isso o homem carregasse uma feição tão assustadora, parecia ter as feições agressivas herdadas de “seu mestre”.

No entanto, Yoshimitsu não se deixou em nenhum momento ser tomado pelo medo, ou mesmo por qualquer emoção, nem mesmo se questionava sobre a imponência de seu adversário, apenas fizera uma breve mesura, curvou o corpo, agarrando sua katana que repousava próxima a pedra em que estava sentado, e a desembainhou lentamente, mostrando assim lamina tosca, e praticamente cega . Munasai por sua vez apenas fechou os olhos e suspirou, e por fim, desembainhou também sua espada.

- Como ousa desafiar-me moleque, com essa arma não me venceria, mesmo se estivesse empunhando uma shinai! A katana de um bushi é o reflexo de sua alma, e vejo que seria perda de tempo entrar em conflito com alguém que tem uma alma que precisa de tanto aperfeiçoamento!

Yoshimitsu apenas o escutou em silencio, enquanto se posicionava, se preparando para o combate, e fixou os olhos em seu oponente desafiador.

- Não deveria se preocupar com minha katana, mas sim com meus olhos, esses sim, são o reflexo d’minha alma.

Disse com tranqüilidade, carregava toda a certeza da vitória em seu coração. E Munasai continuou o olhando, por um segundo interpretou aquilo como uma ofensa tola, digna de jovens cegos por sua ilusória imortalidade, mas perscrutou em seus olhos aquilo que dissera o tão jovem bushi, e após alguns longos segundos, voltou-se ao céu escuro e pensou consigo mesmo “antes mesmo da primeira gota cair, ele estará caído por terra”.

O som característico da katana se desembainhar se fez, e apesar de toa balburdia sinfônica da natureza, Yoshimitsu a ouviu, e firmou as magras mãos no punho da velha e maltratada arma, que estava a frente do corpo, com a lamina erguida na diagonal, e as pernas afastadas uma da outra. Os olhos se concentrariam na arma do oponente, apenas esperando qualquer movimento para assim atacar. Munasai continuou o olhando, enquanto erguia a arma acima da cabeça, como assim fizera em tantas outras batalhas, e como sempre esfregara o polegar no punho de sua katana, posicionou a perna esquerda a frente, e a direita um pouco atrás, ambas levemente curvadas, e fechara os olhos, respirando profundamente. O trovejar era o final, alto e agressivo, até mesmo os olhos fechados Munasai conseguira ver o clarão, já Yoshimitsu apenas franziu o cenho, e dera um passo após o outro e então correra em um grito agudo que parecera silenciar a sinfonia de ventos, campina e trovões e então, levara o corpo levemente de lado enquanto posicionava a arma para que cravasse sua ponta direto no peito livre de Munasai, e já prevendo uma possível defesa, para que pudesse girar seu corpo para o lado que levara seu corpo, e assim acertasse sua costas num corpo horizontal que decidiria aquela batalha. Estava cada vez mais próximo, mal sentia sua pernas tamanha a velocidade que parecia alcançar, nada conseguia ouvir, se sentia em sintonia com tudo a seu redor, era vento, grama, arvore, nuvem, trovão, e agora, se sentia ser guiado pelo elementos naturais, que o levavam a vitória. O coração explodia e o peito parecia abrir querendo que sua alma escapasse e se mesclasse a tudo aquilo, ao mesmo tempo que ganhava uma leveza impressionante. Os olhos de Munasai abriram, e com a beleza que só a arte marcial pode proporcionar abaixou os braços com graciosidade, assim como o corpo, deixando assim que a katana de Yoshimitsu passasse por cima de seu ombro esquerdo, enquanto sua arma belamente forjava atravessava por entre as costelas do jovem, e perfurava seus pulmões, e ainda com mais velocidade, girou o corpo agachado enquanto tirava a katana do corpo daquele bushi e enquanto isso erguia-se, deixando seu corpo para trás caído, seu rosto infantil sentindo a vegetação gélida enquanto pouco a pouco desfalecia-se.

Munasai Koneishi apenas limpou lentamente a laminha suja de sangue na manga do kimono alvo e então sentiu as primeiras gostas da chuva. Embainhou sua katana e se virou para o corpo do jovem.

- Morrera como um autêntico bushi...

Rizzotto

Zé Rizzotto
Enviado por Zé Rizzotto em 26/04/2006
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