Só uma palavra me devora

Acordou com uma sensação indefinível de dor que não é dor. Algo não físico, feito um arranhão na alma. Tomou um banho rápido e vestiu-se para caminhar: uma malha leve, tênis confortável, óculos escuro, bolsinha com cópia de documento, algum dinheiro, um mini bloco de anotações, caneta. Caminhou sem pressa, olhando tudo sem nada ver, concentrada na respiração e na indizível sensação de pesar que seu corpo identificava. Uma sensação de coisa que não quer ser, mas é, de coisa que assombra até quando admitida no mais íntimo.

Antes de sucumbir na loucura de mais um dia que a vida lhe reservava, parou e escreveu algo em letras desenhadas, retocou o batom, deu um beijo no canto do papel, releu o escrito e, pensativa mas resoluta, picotou em mil pedaçinhos.

Respirou fundo, abriu a mão e partilhou a palavra com o vento.

*Da série : Histórias de vida de mulheres comum