A visita

Noite inquietante. Mais uma como outras tantas; dinheiro minguado, jogado a qualquer sorte. Aposentadoria maldita; sequer cobre a contas de luz, água e parte dos remédios. E o supermercado? – E é necessário comer todos os dias? Ontem durante toda a noite não apareceu um iluminado que oferecesse vaga num asilo, ou outro lugar em que pudesse comer. Hoje, no entanto, ainda é cedo; pode ser que...

Meses, anos, João passava na janela aguardando que um transeunte qualquer o visse – afinal, havia ainda um coração que pulsava no mais infernal recôndito; a solidão. A história o esqueceu; os dedos não conseguem mais dedilhar a viola, como outrora.

“ Pra viver assim – vegetar – tarda a minha partida. Quero apenas comer decentemente – se debatia em voz alta arrastando-se pela casa.”

Mais um dia, uma noite. A cama o aguarda. Ao amanhecer traça em mente tudo que faria: debruçaria na janela, mais tarde um mingau e a noite retornaria à janela. Mas talvez naquela noite alguém viesse tomar café; tinha um resto de pó, podia servir.

A noite cai. Bate à porta. Assustado, a passos lentos caminha, abre-a. Um senhor anuncia que veio visitá-lo e vinha de muito longe – dormiria ali. Relembraram quanta gente João, com sua viola afinada, alegrou.

- Lembra João daquele baile na cada do Dr. Horácio; aniversário de sua filha?

- Sim me lembro. Como poderia esquecer-me de um baile tão bom; casa cheia, moças lindas.

- Perdoe-me senhor – disse João olhando-o com dificuldade – quem é o senhor? Não consigo me lembrar.

- João, – disse docilmente o senhor – isto é irrelevante. Importa o que estamos relembrando neste momento – isto importa. E importa, mais ainda, que eu não me esqueci de você.

O café foi preparado e servido. O senhor pediu que João abraçasse a viola e a tocasse como outrora.

- Mas eu não consigo. Os dedos não seguem aos meus comandos. - Disse João com olhar triste.

- Pegue-a, João, e toque-a. Você a tocará como nos velhos tempos, aliás, melhor, creia.

João empunhou-se da viola e tocou-a como dantes. Sorria numa alegria incontida. Os olhos marejados acompanhavam cada posição. Tocou madrugada adentro. O senhor, solícito, o aplaudia.

- Maravilha João. A sua história não foi esquecida; apenas não a escreveram, mas não precisava. Há coisas que ocorrem em nossas vidas para dar-nos forças e seguirmos adiante.

No outro dia, João não foi à janela. No leito, semblante sorridente, a um canto a viola afinada aguardava outro colo, e a casa em completa solidão.