CONTOS DE CRETUS - ILUSÃO

- Talvez nada seja mais patético do que a imagem que criamos sobre aquilo que nos é superior. A idéia de que sempre existirá algo que esta sobre nossas cabeças e nos dita o que devemos ou não fazer. Não direi que Deus, ou melhor, que algo infinitamente mais forte do que nós, aquele que nos criou, seja por natureza amor, justiça, bondade. Sinto dizer que duvido. Lúcifer existiria mesmo? E para que Deus o criaria? Para nos ver em conflito? Duvido muito que Deus desejasse isso, seria tolice, e isso acarretaria a uma certa suspeita em relação a sua onisciência. Deus é tão bom quanto cruel, e porque? Simples! Não existe justiça sem as balanças, e logo é necessário pensar que tudo depende de sua analise. Muitas vezes atitudes ditas como cruéis, irracionais, servem, não para nós, e sim para os outros. Nós, homens, temos o mal da egocêntria, e que tudo o que acontece, e notamos, nos serve para nos corrigirmos, mudarmos, e sinceramente, acho isso completamente tolo, ingênuo e arrogante. Mas ou mesmo tempo que possamos pensar de que Deus nos usa como instrumento, será que teremos mesmo nosso tão impressionante livre arbítrio? E se não o temos, estaremos presos a isso para a eternidade? Então significa que nunca teremos uma liberdade legitima? Que nunca se quer a tomamos? que nossos destinos são traçados, e que nosso caráter, nossa moral será moldada de acordo com o que ele quer, e se isso de fato acontece, para que ter fé? Para que procurar pela salvação...

As palavras do pastor Hester eram estranhas naquela noite, os fies pareciam perdidos, e não afrontavam sua “audácia” – ou heresia? – pelo respeito que tinham por aquele homem que fazia suas pregações a mais de duas décadas no mesmo templo. O que havia de ter acontecido, pouco sabiam. Haviam cochichos, mulheres tomadas pelo absurdo de suas palavras que faziam ruir anos, ou talvez uma vida inteira dedicada a dogmas que tanto amavam. Existiam aqueles que nem mesmo conseguiam compreender suas palavras, e os poucos que questionavam sobre a veracidade de tudo aquilo. Tudo se resumia em um “pandemônio” silencioso.

O culto terminara, mulheres saiam em sussurros umas com as outras, enquanto homens falavam abertamente das supostas blasfêmias ditas pelo pastor, crianças continuavam a brincar do lado de fora do templo, e anciões saiam presos a seus terços sem nem mesmo dizer uma palavra se quer, totalmente voltados a sua realidade surreal das coisas, como se aquelas palavras nem mesmo ouvidas foram.

Julio Hester saíra, nem se dera o prazer de despedir de seu “rebanho”, se dirigira para a porta que o levaria a uma pequena saleta onde estava sua família, que o olhavam assustados, sua mulher tentou aproximar-se, mas ele não a olhou com o mesmo olhar de sempre, repleto de brilho, hoje estavam opacos. Partira para sua sala particular, onde após se trancar, perscrutava por aquele que havia perseguindo seus sonhos a anos. Ele o viu e suspirou.

- Então... O que achou? Satisfeito?

Disse Julio enquanto sentava-se em sua poltrona preferida, e deixava o corpo relaxar, ainda que fosse impossível, devido o tremor de suas mãos, o suor que escorriam pelo rosto e molhava a camisa branca de linho. A criatura andrógena próxima à janela o olhou, com seu rosto delicado, os cabelos negros caindo sobre as costas. Os olhos esverdeados se fixavam nos do pastor. O homem sorriu, escondeu as mãos no bolso da calça e voltou a face para fora da janela, para o céu escuro e sem estrelas e disse:

- Hm... Não, pois não importa mais de quem, ou qual seja a verdade... Não mais...

Zé Rizzotto
Enviado por Zé Rizzotto em 26/08/2006
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