Na Corda Bamba

O equilibrista deu mais um passo: o último.

Quantas vezes havia ensaiado a despedida? Quantas vezes havia repetido para si que jamais pisaria novamente numa corda bamba?

Foi assim em Roma, Paris e Nova York. E a despedida era sempre adiada, postergada por causa de provas ainda mais ousadas, como da vez em que cruzou um canyon gigantesco sem qualquer tipo de proteção. Sobrevivera. Como da vez em que atravessou a corda sob ventos inclementes na Turíngia. Também sobrevivera.

Sua trajetória nada mais era do que um embate diário com a morte. Quem sairia vitorioso, ele ou ela? Por vezes, sentia o toque cálido a empurrá-lo para baixo, a forçá-lo ao erro, e fazê-lo titubear. Não tinha medo, pois medo é para os fracos. Esta presença soturna, sempre pairando sobre seu ofício, era o seu verdadeiro estímulo, animava-o, inspirava-o a ir mais longe.

Mas envelhecia e ninguém mais queria ver um velho equilibrista, que não apresentava novidades.

Planejou, então, a despedida, num temível desfiladeiro na Costa Rica. A imprensa foi convocada, o equilibrista se preparou.

Sem dificuldades, atingiu a metade do percurso, para assombro da plateia. Só que, desta vez, algo incomum ocorreu: o equilibrista teve medo. Não da queda, nem da morte, nem do esquecimento. Teve medo de ter desperdiçado toda sua vida perfazendo um ofício vazio, sem sentido, tolo.

Por que fazia o que fazia?

Não encontrava resposta.

Pensou em precipitar-se desfiladeiro abaixo, estatelando-se nos rochedos e no riacho, mas não, caminhou passo depois de passo até o fim da corda bamba.

Sob aplausos da multidão, sob os flashes da câmera, o anticlímax: o equilibrista acenou, e nunca mais se soube dele.