A prostituta

A prostituta está deitada em sua cama. Não é muito diferente das outras. Corpo ressequido, os seios um pouco a mostra, e cansado. Apenas o olhar vai um pouco mais distante do que o habitual; ele mira um objeto qualquer e se perde na sua solidez. Mas não está pensado no dia de ontem ou no de amanhã. O seu olhar denota um sofrimento, ou melhor, uma incompreensão.

Assim como as outras prostitutas ela se doa, mas o sexo para ela não é como uma ação inconsciente, assim como, sem querer, ajeitamos um objeto por sentirmos que ele está um pouco distante da sua posição habitual; o sexo para ela era uma doação de seu corpo e sua alma para aqueles homens solitários da madrugada que nunca encontraram reciprocidade do seu amor na vigília do mundo. Era para aqueles que não sabem o que fazer com a solidão que os arrebata. E que numa noite de total desespero vai a uma casa noturna e procura alguém para, pelo menos, engastar o seu excesso de tudo.

Então ela fazia isso: preparava-se como uma noiva numa noite de núpcias em que deseja acertar todos os detalhes que seu amor exige – a medida exata do seu perfume, a altura perfeita da camisola, o balé de seus movimentos e a expressão singela e frágil de quem não possui nada e que espera desse amor tudo o que o sentimento ainda não conhece. Era isso que fazia todas as noites quando sabia quem era o seu cliente.Mas se fosse um daqueles cafajestes cujo pudor está longe de alcançar os desejos de uma mulher, ela abandonava o seu corpo na cama e deixava fazer com ele o que quisesse; o seu pensamento estava fora do quarto e dentro de algum homem triste, ficava imaginando o que faria para o próximo amante, qual seria o ato perfeito que ele o anteciparia.

Mas ela se desgastava. Porque também era uma incompreendida. É certo que hoje, muitos dos seus clientes a amam como se fosse, ela mesma, a pessoas a quem o amante buscava, mas na maioria das vezes, ela era considerada como uma qualquer. Quase sempre recebia as palavras de uma bela transa na qual se chegam ao orgasmo os dois corpos. Mas ainda ninguém a compreendera. Ninguém conseguia enxergar o que existia por trás da profusão de gestos que todos julgavam habituais. Nada nela era o habitual, e quase todo o sentimento estava lá. Era na descoberta desse lado oculto que o lado visível poderia ser entendido como algo que trespassasse o próprio momento. Não, ninguém ainda. E era tanto esforço do pensamento para acertar as decepções dos outros que era o corpo, como mera fábrica dos sonhos, que entrava em pane e se desmoronava após cada noite de núpcias, às vezes até como um gozo antes da morte. E sempre, sempre era ela quem adoecia de amor. Porque ela escolhera, desde nova, que amaria os homens e daria a ele toda a recompensa das desilusões. Não conseguia amar nenhum em especial, exceto um que na juventude arrancou o seu primeiro amor e o seu primeiro gozo.

Mas aconteceu com ela o que acontece todas as noites: um egoísmo; um amor que só deseja a abastecer a si mesmo. E era isso que ela não queria que acontecesse mais com ela. Então, cada noite de amor era uma vitória. Porém, nunca completa porque o dela nunca chegava a transbordar.

de Castro
Enviado por de Castro em 11/09/2006
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