SALTO PARA O VOO.

De repente percebi o vazio, e entendi, naquele momento, que este espaço vazio, está cheio, repleto. Vasculho atordoado os pacotes muito bem acondicionados pelos fatos., e desarrumo tudo. Vejo-os jogados ao chão, e paro estupefato olhando-os.

Deixo-os lá.

Saio, com o olhar a ver a LUA que teimava em surgir majestosa em meio a nuvens negras. Meu passo é firme, sorrio ante a beleza em minha frente. Não precisava entender nada, não foi preciso. Lembro então dos pacotes, mas deixo-os lá assim mesmo.

O vazio acompanhou-me de perto. Cada passo dado via-o se derramando feito farinha ao cair, deixando um caminho repleto de vazio.

Subi ao parapeito para o VOO.

Contemplo a tarde e vejo lá embaixo os pacotes, vejo também o caminho marcado pelo esvaziamento. Como águia, observo agora a lua se derramando em luz e vejo você. Ali, junto ao parapeito, ansiosa, nervosa e distante.

Fico perplexo! Estou pasmo! Lá todo um horizonte pro vôo, mas aqui...

A liberdade é mais complexa que parece, e não me cabe julgar quem com ela se engana.

Talvez se tivesse ficado nos limites da luxuria, do frenesi verbal, nas propaladas peripécias do corpo, na volúpia de gozos...

Talvez se tivesse permanecido impassível, brilhante nos scraps sensuais...

Talvez se tivesse ficado incólume ante o que você é mesmo, e não me deixasse ser tomado.

Rápido, tudo muito rápido!

Do discurso impávido do “sem limites”, brotou uma florzinha desenhando os limites.

Onde quer que vá, ele estará lá.

Estranho que quando em suas palavras passou a estar presente “amor” percebi que o parapeito ainda é um limite. Você não estava mais lá.

Talvez se tivesse...

Lá embaixo uma multidão olha pra cima. Esperam o salto. Sim, políticos, religiosos, vaidosos de todos os tipos, ladrões, bichas, policiais, putas, a mulher do acarajé, o bêbado, os maridos traídos, as madames de motéis, todos circunspetos, esperando o vôo. Querem ver a queda, querem sangue, querem o espetáculo.

PERPLEXO!

Contemplo do parapeito os pacotes do vazio que ficou em mim... a multidão vibrando, querendo o salto, barracas, gente bebendo, um individuo cobra ingresso para ver o salto e dá trocos, outros soltam fogos de artifício, um trio elétrico que chega, as ruas próximas vivendo um carnaval.

Do parapeito, você se viu, e se viu, com os olhos daquela que está com coleiras, e não teve a coragem de quebrá-las. Se tivesse esta coragem,

Olho o céu começando a estrelar, e silencio.

SALTO PARA O VOO.

Lá embaixo, a multidão se foi, apenas o carro do lixo, recolhendo os restos da algazarra inicial, frenética, intensa e fluida, e os pacotes de “vazio” do fim da tarde.

Ninguém viu o salto.

Agora apenas uma folha de papel voa, levada pelo turbilhão do vento.

Que será que está escrito nela?