Sapatos Vermelhos

Natasha trazia a pistola escondida na mão direita. A posição angular do seu corpo coincidia com o turbilhão de emoções que a assaltava. Caminhava na rua que havia naufragado na noite e o piso molhado reflectia a sua sombra distorcida por poças de água iluminadas pelos escassos candeeiros posicionados milimetricamente até ao encontro com a pessoa que ela sabia estar ao fundo da avenida.

O ar estranhamente não cheirava a humidade, e era inodoro, ela julgou que ainda estava na Passerelle, que aquela rua era apenas um prolongamento do seu trabalho, até lhe parecia ouvir ainda a música de elevador que a acompanhou no último desfile.

Ao fundo já via o reflexo do brilho dos óculos dele, respirou fundo, acariciou novamente o gatilho da pistola, como se estivesse a amansar uma fera. Quando chegou ao pé dele sentiu que ele se preparava para a beijar mas ela não lhe deu qualquer hipótese, sacou da pistola e disparou, ali mesmo, a sangue frio antes mesmo de o ouvir dizer boa noite. O corpo dele caiu imediatamente e ela sentiu um calor intenso subir-lhe até às faces, agora muito ruborizadas, tão vermelhas como os sapatos que ele se atrevera a criticar quando se conheceram há uma semana.

Natasha pensou: Agora já aprendeste que não se deve criticar o que vestem as mulheres, nem comentar sobre os seus caprichos. Bem feito, é para aprenderes.

Pensou, mas não o disse porque afinal achou que já não valia a pena. Ele parecia estar mesmo morto. Descalçou os sapatos vermelhos, que fez questão de trazer mais uma vez para o derradeiro encontro, e deixou-os ali, como flores numa campa. Assim descalça, foi para casa com um sorriso nos lábios.

Rui Guerra Figueira
Enviado por Rui Guerra Figueira em 10/10/2006
Código do texto: T261156