DIÁRIO DE UM LOUCO

SEGUNDA FEIRA= Hoje tudo aqui está quieto. As sombras que mostravam-me a língua na parede fizeram um trato com a lua e viraram brancura de nuvem indo duetar com o sol na tarde que arde lá fora. Estou além da minha mudes e meu torpor é vago. As grades não são para mim, mas, lá estão elas, com seus olhos de aço fitando meu desespero; posso transpô-la sem medo, só o deserto fatídico me espera, ninguém ouve meus gritos, estão surdos e roucos, como eu. Meu sapato molhou porque eu urinei nele; verti minha vergonha de ser mortal. Não sei que dia é hoje e nem me interessa saber; todos os dias são neutros e eu um prótons vagando nesse espaço sombrio. Calo meus pés e calço a boca com a virose da sina. Sou um demente, portanto, ninguém repara em mim.

TERÇA-FEIRA= As grades cresceram à frente do meu nariz e ouvi o barulho de muitos pés correndo de encontro ao portão. Até Napoleão que era bom na parte de guerra, nessa cela virou rato de esgoto. Eles amenizam o rufar do meu tambor pedindo trégua. Vão aparentemente calmos e suas agonias estão refletidas nos meus olhos esbugalhados, fatais e expectativos. São cores daltônicas a atravessá-los; o branco tisnado de sangue sai a procura do bege que desbotou de tanto dizer que era verde. Sento no meu chão e esfrego o rosto na laje fria;

sinto cheiro de barata e minhas forças se desgastam. Marchem contra mim Demônios! Venham! sou mais um obstáculos aos vossos preceitos! Estou seco, murado, estagnado nessa porta de gesso coberta de cobre.

O vulto se esgueira atrás da porta e eu silencio meu peito.

QUARTA-FEIRA= Hoje a vaga lembrança da moça de cabelos longos e trançados, veio me visitar. Eu desci do topo da escada onde estava crucificado pelos estragos das manhãs e sentei no último degrau; não reparei que estava escrito Consciência. Sentei em cima da Consciência e peidei nela. Senti um arrepio no canto vazio que estava cheio de mim. Era aterrorizante! Guerra, matança, subidas e descidas de samurais e tuaregues fazendo um desfile de lutas ante a minha sordidez. Quis escalar a parede porque o tinir de suas espadas pareciam querer cortar meus fundilhos. Berrantes se amontoavam, eu me segurava na minha infância perdida. Lembrei que tempos atrás, eu trepava nas árvores, dava cambalhotas e jogava meleca de encontro ao vento; um sorriso idiota vadiou na minha boca...ainda estagnado pelas lembranças fui pari porqueiras de ir e canseiras de vir ao lado de tudo que restou de mim.

QUINTA-FEIRA= Dia comprido, vazado, simétrico, compassado. Dia fugaz como eu. Hoje amanheci deus. segurei entre os dedos a barra do lençol e flutuei sobre as ondas do tédio. Salpiquei incensos de injúrias na corja que me mantinha alí. Jurei vingança e prometi assolar o recanto com as mais terríveis pestes. Fiquei insuportável. O homem que me apareceu disse que eu estava velho, que meu mundo era velho e que eu estava repetitivo e relapso em minhas criações. resolvi ceder-lhe a honra de escutá-lo. Sua voz tinha um som metálico e reverberava como uma corneta de quartel nos meus tímpanos.. Enquanto ele recolhia os cacos de minha estupidez dizia que eu era um tolo, um decrépito e que jamais sairia do inreal. Dizia também que meu mundo estava cheio de teias de aranha e perguntou porque eu não me matava. Tive que mostrar meus dentes para gerir forças, até conceber de minha ira o desejo latente de estrangulá-lo. Ele esperneou como um réptil e senti uma picada feroz que me proporcionou a escuridão.

SEXTA-FEIRA= Um cheiro de mato lavado inunda meu ser. Não posso esquecer, não lembro, de tanto sonhar em outro lugar; espero virado de bruços pelo inócuo padecer; são garras que me seguram e me corrompem. Fico esticado com cara de monstro atingido. É uma cópula de éguas e cavalos num trote de esperma vomitado em minha aflição. Sinto o massacre e estuporo. Vomito todo o almoço do qual só aproveitei as cascas. Um safanão violento atinge meus nervos e fico acoplado ao teto que cai. Estremeço e esqueço. Aqui estão os meus restos vivo. Sei que daqui a pouco...não ligo...meu cruel carrasco virá me buscar.

SÁBADO= Levaram-me ao topo de minha anarquia. O sol lá em cima escancara sua cara amarela a sorrir. Meu dorso está nu, não sou daqui, sou do sul, sou de mar, sou de vidro. Olho estranhezas no perdido amigo que como eu mergulhou no túnel e tornou-se híbrido. A comida está crua e despejo hidrofobia. Vejo Tiradentes através da vidraça e sinto vontade de enforcar sua alma torta. As luzes se apagam e acende em mim a histeria.

DOMINGO= Um forte odor de alma lavada recende o salão de bancos vazios. Com carantonhas de medo desfilam maquinados os fantoches de cordel que estendem as mãos:- Ah sim como vai? Não vou...- fico então parado de costas medindo o desvio com o olhar de quem viu e não parou pra nada. Sou eu ou sou você? quem são os insanos? Hoje é o ontem do amanhã que foi rente seguro varrendo o velho da folha do presente.

Morreu o dia de novo. Fico só, então, resolvo virar urubu, e me posto sem recosto na brecha da escada que jamais vou subir.

Rose Arouck
Enviado por Rose Arouck em 04/12/2006
Código do texto: T309156