OBRIGADO SENHOR

O fim de tarde daquela quinta-feira estava tão fresca e agradável que D. Amália decidiu ficar sentada em sua cadeira de balanço por mais alguns instantes na bela varanda florida e perfumada, onde tornara-se um hábito sentar-se ao entardecer e já o fazia há anos.

Ela observava placidamente o lago no fundo da ravina, de águas límpidas donde outrora seu marido voltava sempre com um belo peixe às costas e um sorriso nos lábios. De sua casa até o lago seguia-se por um caminho sinuoso entre alamedas de bromélias, gerânios, margaridas, copos de leite, árvores frutíferas de toda sorte de delícias, plantadas por ela mesma, nos idos anos setenta, quando Olavo, seu marido, se aposentou numa multinacional.

Seus olhos azuis, já enevuados pelo peso de oitenta e nove anos, ainda mantinham em suas retinas a alegria de ver os netos, como pequenos cãezinhos, pulando, correndo, medindo força no gramado à frente da varanda, onde além das flores só haviam sua cadeira e a do marido em que passavam horas silenciosas de mãos dadas amando-se com o olhar...,hoje apenas a sua ocupada. Logo, nas férias de fim de ano, seus netos, já pais, trarão seus bisnetos, para se deliciarem na companhia da bisavó amorosa. E lembranças puxam lembranças, até retornar a sua própria infância no interior do Paraná, duma vida bucólica de fazenda onde seus pais eram caseiros, ela por sua vez, corria, brincava e pulava com seus irmãos..., sempre teve uma vida tranqüila, feliz enfim. Criou os filhos, viveu seus sonhos, numa existência pacata e hoje não aguardava mais nada, sentia que sua missão fora completada e era grata por Deus tê-la protegido dos dissabores e por fim estava preparada...

A noite terminava por fazer-se presente, uma leve brisa volvia seus parcos cabelos brancos e os pássaros numa cantoria melódica e sublime anunciavam o fim do dia, cantavam mais do que o normal, embalados, talvez, por um regente Divino, e era uma cantoria celestial, num compasso de orquestra bem dirigida. Quem passava ao largo da casa, não entendiam esse alvoroço, mas ficavam maravilhados e davam glorias à Deus.

Adormecera tranqüila, como já fizera muitas vezes naquela cadeira, mas dessa vez não fora acordada pelo friozinho da noite. Uma mão grande e já enrugada pelos anos tocou-lhe no ombro e um beijo doce, de lábios murchos de velho, pousou em seus cabelos brancos. Seus olhos abriram e ergueram-se como que em “slow motion “e encontraram-se com os de seu esposo amado de toda vida. Já não eram olhos enevuados, tinha novamente o brilho de amor que tivera setenta anos atrás quando casaram-se.

Ela com um sorriso infantil nos lábios não disse palavra, estendeu-lhe delicadamente as mãos, ele as beijou, ajudou-a à se erguer, deu-lhe o braço e ela aninhando-se nele, disse simplesmente:”Vamos”.

Desceram calmamente os degraus, a anciã nem preocupou-se em calçar seus chinelos, caminharam docemente pelo gramado, alcançaram a alameda florida e perderam-se sob as árvores, enquanto os pássaros cantavam e cantavam..., e cantaram até o amanhecer.

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Dias depois um cheiro insuportável e a presença de urubus alertaram os vizinhos que invadiram o sitio e a encontraram morta sentada em sua cadeira de balanço...

sergio virginio
Enviado por sergio virginio em 08/12/2006
Código do texto: T312710
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