EU E OS CIGANOS


A noite era de lua cheia e o céu mais parecia um tapete de estrelas. Ainda teria que andar por mais 4 km na estrada de chão, mas não tinha pressa, ninguém estava a minha espera. Na bifurcação da estrada, ouvi música que vinha da direita, que seguia para um lugarejo chamado Boa Sorte; me disseram que o dono daquelas terras era um cigano muito rico, que cedia o lugar para tribos de nômades acamparem. "Por que não?" pensei enquanto desviava do meu caminho. Ao contrário das outras vezes não estava ali de férias, estava fugindo do meu passado. Não sei por quanto tempo andei, mas enfim cheguei. Homens e mulheres dançavam em volta da fogueira, animados batiam palmas e riam, enquanto outros tocavam pandeiros, gaitas e violino. Conforme iam me vendo iam parando o que estavam fazendo, até que se fez silêncio.
- A moça tá perdida? (perguntou-me um homem muito alto. Muito, porque alta sou eu. Ele era enorme! Moreno com a pele muito curtida pelo sol e o grisalho nas têmporas se sobressaiam nos cabelos negros. Neguei com a cabeça) - Então a moça pode voltar pelo caminho que veio, não queremos forasteiros por aqui!
- Ela fica, zaron! (uma mulher com mais de 60 anos abriu passagem entre os demais e veio na minha direção. Tinha uma longa trança branca que lhe caía pelo ombro esquerdo. Ainda era uma mulher bonita, pensei. Olhou bem o meu rosto, minunciosamente e nossos olhares se encontraram.) - Você está muito machucada... (era notório que estava! Meus olhos mal se abriam e todo o meu rosto estava muito inchado!) - Venha, vamos nos sentar perto da fogueira. Sula! Pegue as coisas da moça e leve para sua tenda! (prontamente uma jovem, pouco mais nova que eu, pegou minha bolsa e a mochila e sumiu entre os outros que ainda me olhavam) - E vocês dancem! Animem-se! (sentamos em um tronco de uma árvore, que servia como banco) - Vou cuidar de você Loyane! (segurou minhas mãos entre as suas e um calafrio sacudiu todo o meu corpo) - Por fora e por dentro!
- Não me chamo Loyane. (disse com certa dificuldade)
- Enquanto estiver por aqui, esse será o seu nome! Me chamo Dara. (e de repente ela me abraçou! Um abraço forte, terno, amigo! Me deu um nó na garganta e eu também a abracei. As lágrimas começaram a correr pelo meu rosto e me dei conta que ainda não havia chorado) -Chore, querida, chore! Ponha para fora toda dor que tem na alma; deixe as lágrimas expurgar o ódio do seu coração! (e meu choro virou pranto convulsivo) - O vento lhe trouxe e no tempo certo lhe levará embora... fortalecida... porque você é guerreira e muitas serão as batalhas! Na Terra vai buscar a força, na Água a purificação, o Fogo será seu escudo e o Vento será a sua magia... Fale com o vento, ouça o vento, sinta o vento... Faça o vento! (eu ouvia, mas não entendia! Mas as palavras entravam de uma forma intensa e, aos poucos, foram me acalmando) - Agora vamos, você precisa dormir, precisa estar bem.
Na manhã seguinte, quando saí da tenda de Sula, vestida com as roupas que ela me deu (as mulheres não podem usar calças por serem de uso exclusivo dos homens), o sol já estava alto e as pessoas cuidando dos seus afazeres.Alguns me olharam e outros me ignoraram.
Respirei fundo, senti o cheiro da terra, de eucalipto, de estrume e de café torrado. Olhei em volta e uma paz infinita tomou conta do meu ser. Eu não sabia, mas aquele povo seria a minha família por quase um ano. Naquele dia eu estava começando a escrever um novo capítulo, de um longo ciclo, da minha própria historia.

HERMÍNIA ROHEN
Enviado por HERMÍNIA ROHEN em 12/01/2012
Reeditado em 02/04/2012
Código do texto: T3436055
Classificação de conteúdo: seguro